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Maria Rita de Miranda
São Sebastião do Paraíso / MG

 

O cão de Dora

           

          Tufão, um cachorro grande e peludo, mistura de vira-lata com pastor, capricho da natureza, saiu um cão esbelto, manso, esperto. Teve a sorte de ganhar como dona, a Dora, uma moça que morava sozinha. Quem os apresentou foi a Lene, amiga de Dora desde a infância.
           -Dora, quer ganhar um companheiro fiel, que não fala, não reclama, é brincalhão e muito elegante?
          -Apresente-me logo, é tudo que eu pedi a Deus.
          No outro dia, Lene bate à porta da amiga com o cachorro na coleira.
          -Eis o seu companheiro!
          A moça nunca tinha tido um cachorro. A princípio riram muito da brincadeira, mas Dora se encantou por aquele animal que logo que a viu fez festa como a dizer: - encontrei um verdadeiro lar.
          Foi assim que Tufão entrou na vida de Dora. Esta se sentiu como se a vida lhe desse um presente. Até então se sentia muito sozinha no casarão que pertencera a seus pais. Nunca se casou, apesar de ser uma moça extrovertida, brincalhona, engraçada nas histórias que costumava a contar sempre exagerando nos detalhes, fazendo que todos ao redor se divertissem muito. Namorou alguns rapazes, mas nunca chegou ao altar.
          Tufão encheu de alegria aquela casa. Dora viu nele um verdadeiro companheiro. Conversava com ele, passeava com ele, sofria quando ele adoecia. Mantinha-o sempre muito limpo escovando-lhe os dentes para evitar o bafo forte. Deixava que ele dormisse a seus pés, perto da cama. Enfim o cão tinha uma vida de rei. Todos já se acostumavam: onde estava Dora, estava o Tufão.
          Certa manhã, a moça recebeu um telefonema de um de seus irmãos, dando-lhe a notícia da morte do pai de uma de suas colegas de escola. Dora puxou pela memória, mas não conseguiu se lembrar deste senhor. Disse a si mesmo que após o almoço, já perto do horário do enterro, iria até o cemitério para apresentar suas condolências à amiga.
          Ao chegar lá, como sempre acompanhada pelo Tufão, entrou na primeira capela onde, de fato, um senhor estava sendo velado. Olhou o defunto e as pessoas que estavam ao redor do caixão e pensou: como Mari é diferente das outras pessoas de sua família! Ela é tão loura e seu pai, bem como toda a família, como são morenos!
          Sentou-se numa poltrona com Tufão a seus pés. Começou a se inquietar quando viu que, chegada a hora do enterro, ninguém se movimentava. Será que a Mari não viria no velório do próprio pai?
          Para sua surpresa, alguns minutos depois, o som de passos e choro lhe chama a atenção. O que viu, deixou-a boquiaberta. Da capela lá do fundo saía um caixão para ser enterrado e quem o acompanhava? A Mari.
          -Ai meu Deus, estou velando o defunto errado!
          Saiu apressadamente atrás do pessoal e deu de cara com Lene, amiga em comum. Não pode deixar de lhe contar imediatamente o que acontecera.
          Em meio à tristeza dos outros, as duas não conseguiram conter o riso e acompanharam o enterro, se segurando para não gargalharem.
          Terminado o serviço funerário, Dora voltou acompanhada por Lene para pegar o Tufão. Na confusão, esquecera-se do cachorro que ficara para trás.
          Quando chegaram perto da capela onde estava sendo velado o senhor moreno, perceberam uma agitação. Não acreditaram no que viram. Tufão saindo calmamente da capela com o véu que cobria o morto preso em os dentes. Elas nem olharam para trás. Perseguiram, entre risadas sonoras até então contidas, o cachorro que corria arrastando aquele véu roxo.
          Ao chegar à porta da casa de Dora, que não era longe do cemitério, o cachorro se estancou e as duas se aproximaram cansadas de tanto correr e rir.
          -Tufão seu malandro, como você pode fazer isto? Solte já este véu!
          Nestas alturas dos acontecimentos o véu já estava todo rasgado.
          Dora abriu a porta e o cachorro entrou ofegante.
          -Eu não vou pegar este véu, disse para Lene, dá azar.
          Entrou na casa e sabe o que ela fez de imediato? Escovou os dentes do Tufão para tirar o gosto de cemitério.

 

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos de pura sedução" - Janeiro de 2017