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Ediloy A. C. Ferraro
São Paulo / SP

 

O objeto do desejo

           

Levado pela mão da babá, o pirralho empacou diante à vitrina da loja, próxima à escola dele.
- Anda, Eduardinho!  Ralhou a mulher, enervada com o imprevisto.
O olhar, sem palavras,  respondeu significativo, e continuou estancado, atenção fixa na exposição daquelas maravilhas que o encantavam.
- Nem pensar! Você já tem todos os brinquedos que uma criança pode desejar na sua idade...
(Nada de demovê-lo da intenção de ali permanecer.)
- Se você está pensando que vai me vencer, se engana...
Nenhuma reação em resposta à atitude dela. Se quisesse, que continuasse sem ele, ou o levasse à força. Não estava verbalizado, nem precisava, ela o conhecia muito bem. Era um doce, educado e carinhoso, desde que não contrariado. E ela sabia bem como ele agia nessas situações, era dureza.
Resmungando de si para si, certa que iniciava-se um páreo difícil, ele era duro na queda, coisas de criança mimada - É assim ?!  Deixa estar que conto tudo à sua mãe, nada de jogar vídeo game por hoje,  ela vai te colocar de castigo ! Era apenas uma ameaça vã, jamais falaria para a patroa, uma banana derretida diante às exigências do filho, tiraria sua autoridade, ai, sim, seria uma compra por semana.
Sem responder, na verdade alheio aos resmungos da acompanhante, mas olhando para ela, apontou com o dedo um dos brinquedos. Pronto, estava sentenciada a escolha, a pura sedução, demovê-lo seria uma batalha hercúlea, da qual, contudo, ela não estava disposta a ceder dessa vez.
- Que é?  Bonito sim, mas você nem dá conta de brincar com os que já tem... Ficam espalhados pelo quarto. Não dá a mínima para eles, cansa-se logo, é dinheiro dos seus pais jogado fora...
A paixão estava estabelecida, apaixonara-se pelo hominho do espaço, em roupas reluzentes, prateado, que parecia chamá-lo, implorando para ser levado por ele. Uma atração irresistível parecia enfeitiçado, fincando pé, virando estátua, imóvel, fascinado. De um lado do vidro o boneco de braços abertos, de outro um petiz encantado por ele.
- Ande, senão chegamos atrasados... Pegou-o forte pela mão, tirando-o de seus sonhos. Fazia-o sentir a força dos argumentos dela, o safanão carinhoso.
No outro dia, mesma situação, deixando a babá enervada. Incapaz de atitudes severas, seria no mínimo mal vista, afinal era apenas um fedelho contra uma adulta. Argumentar não adiantava, era uma mula obstinada, empacada na inflexível decisão de querer o objeto de seu desejo, a admirá-lo da calçada fronteiriça.
Ela resolveu, então, que passaria pelo outro lado, assim ele não se lembraria mais daquele robô, talvez esquecesse distraído com outras coisas...
Mas, puxando-a, forçou atravessarem a rua. Para não dar a entender que brigava com o pequeno, cedeu na travessia, e a mesma coisa de dias voltava a acontecer. Longos minutos a namorar o companheiro, a quem até já dera um nome:  Alton...
- Alton! Até nome tem o boneco?  Cada uma que estas crianças inventam! Queria rir e abraçá-lo e se continha para manter sua posição.
Determinada a vencer a batalha para acabar com a birra dele, menino de 5 anos, filho único. Resolveu que não contaria nada para os pais, senão corria o risco de eles comprarem mais um brinquedo para ele... Assim estragavam o menino, deduzia com seus botões. Afinal, na vila onde ela morava, os pequenos se divertiam com bolas de papel ou de meias velhas, com dois tijolos de lado a lado faziam as traves e não eram menos felizes por não terem tantas regalias. Pelo contrário, valorizavam as quinquilharias tidas como verdadeiras fortunas para suas estripulias infantis. Quando avistavam os caminhões de presentes, geralmente no natal, nem dormiam esperando para receberem das mãos do homem fantasiado de papai noel, oferendas de instituições de caridade que anualmente apareciam. De pais pobres, não recebiam regalos, além do alimento e roupas básicas.
Assim, invariavelmente, a dura canseira diária de vencê-lo pelo cansaço e arrastá-lo para a escola.
- Se pensa que me vence, está totalmente enganado !  Respondia vitoriosa a cada quebra de braço, onde, resoluta, vencia-o, antes pela força das mãos empurrando-o, do que por convencimento dele. Momentos em que a olhava com olhos lacrimosos, sua arma secreta, sutil e manipuladora, fazia-a ter vontade de abraçá-lo, tal o carinho que o mesmo a inspirava.
Chegou a sexta-feira, tiraria folga no sábado e só retornaria na noite de domingo, estava exausta com aquela lenga-lenga da semana toda naquela disputa cansativa. Adorava o pequeno, até sentia falta dele em suas folgas, todavia, dessa vez, a trégua era bem vinda, descansaria.  Longe da vitrina no fim de semana, sairia com os pais, iriam ao clube,  na segunda-feira já  teria esquecido do bendito brinquedo, suspirava aliviada.
No domingo à noite, nem bem chegara, os pais do garoto, sentados no sofá da sala, parecendo sonolentos e cansados.
- Está tudo bem com o Eduardinho?  perguntou cismada, não o vendo junto aos pais...
- Marina, quem é o Alton? Algum amiguinho novo da escolinha?
- (Procurando lembrar de onde ouvira aquele nome) – Alton? Nem se dera conta de que tratava-se do nome dado por ele ao boneco da vitrine... Não estou lembrada, mas parece que ele falou esse nome...
- Ele teve febre à noite toda, parecia delirar, e chamava por ele, levamos ao pediatra logo cedo, mas não tinha nada, apenas indisposição, não queria comer e nem brincar...Relatou a mãe à babá.
O caderno de atividades da escola só tem desenhos de uma figura, um homem com armaduras, algo assim...
- Armadura?! Despertou a babá,  rindo: - É o Altom!
- É este o nome que ele falava, é algum coleguinha novo da escola?
( Encabulada, sentindo-se culpada por privá-lo do brinquedo, escondendo a vontade do menino para os pais) – Não que me lembre, ele está bem?
Está dormindo, voltou a brincar e a comer, depois que o levamos a passear, fizemos algumas compras e ele se distraiu mais...
- Vou vê-lo no quarto... Saiu a babá preocupada.
- Eduardinho, meu pequeno, sussurrava nos ouvidos dele, que ressonava tranquilo, abraçado a um brinquedo, um boneco... O Alton!
- Danadinho, acabou me vencendo... Riu consigo mesma beijando o menino, que sonolento, levantou com uma das mãos o boneco em atitude de vitória e sorriu para ela, voltando a dormir.

 

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos de pura sedução" - Janeiro de 2017