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Eliane de Souza Saraiva
Itapipoca / CE

 

O casamento

           

Numa manhã de emergência de novas tecnologias, ao arrumar os livros da estante de literatura da Sra. Comunicação, Teoria, a criada, encontra um livro cujo título desperta-lhe tamanha curiosidade.
Com suas mãos enrugadas de hipóteses, a romântica Teoria abre o volume e folheia-o, curiosa. Repousa suas nádegas rijas na poltrona aveludada e fixam seus olhos teóricos no conteúdo da obra literária e dá início à leitura:
Ao viajar pelas cidades egípcias, em meados de 4.000 a. C., o aventureiro Fato Viriato conhece o pesquisador Conhecimento Nascimento e sua companheira, Sra. Escrita Mesquita, mulher de olhar cativante e voz ludibriosa. O casal, famoso na região por produzir obras em papiro, convida o jovem Fato Viriato para um jantar no Palácio Scribópolis.
Com o intuito de aproximar-se do Sr. Conhecimento para elevar seus méritos e conseguir reconhecimento na cidade, Fato Viriato não hesita; aceita, entusiasmado, o convite.
Nesta noite pós-neolítica, Fato Viriato deixa-se seduzir pelos encantos da bela Alícia Notícia, filha caçula dos anfitriões. À mesa do jantar, Alícia e Viriato trocam olhares enfoquéticos, indiferentes aos ensinamentos do Sr. Conhecimento e às interrogações da Sra. Escrita.
Sob a luz lunar, deitado no solo desértico, a mente de Viriato impregna-se de desejos diagramáticos durante a madrugada. Alícia o cativara com seu sorriso de atualidade, com seu corpo modelado de representação.
Apesar da diferença de idade e da imaturidade transparente de Alícia Notícia, Fato Viriato, enamorado, logo oficializa o compromisso. Casar-se-á com a amada em algumas décadas.
Entretanto, tempos depois, ao se conhecerem em profundidade, descobrem que têm caráteres divergentes:
– Tu não me enxergas como de fato sou – reclama Viriato.
– Tua mania de objetividade deixa-me sem graça. Esta teimosia na busca pela relevância parte-me o coração, pois não permite que tu vejas o que há de mais belo em mim – replica Alícia.
Numa tarde nublada de domingo, Alícia Notícia, frustrada, procura Fato Viriato:
– Meu querido Fato, minha vida está vazia de sentido. Aqui não há espaço para mim. Meu pai diz que sou inútil ao teu lado, que não existe razão para eu existir – lamenta a jovem, com lágrimas a umedecer-lhe os olhos manchéticos.
Decidida a persuadir Fato Viriato a ajudá-la em seus anseios noticiosos, declara:
– Desejo ter também aquilo que tu tens: credibilidade, relevância, objetividade. Por que não podemos tornar-se cônjuges de vez? Apressemos o casamento! Só assim, seremos felizes inteiramente.
– Acalma-te, querida! Ainda não é tempo. Estou certo de que não me livrarei de teus leads encantos. Creio que ficaremos juntos – assegura Fato Viriato, afagando-lhe as mãos. – Teremos o auxílio da Sra. Escrita.
Após receber o consentimento da Sra. Escrita, Fato leva Notícia para visitar o sábio Futuro Lonjuro, no Alto da Namídia.
– Sr. Futuro, sei que nada neste mundo se realiza sem tua permissão – afirma o visitante ao encontrar-se com o sábio no jardim. – Portanto, responda-me: O que posso fazer para efetivar minha união com Alícia Notícia, esta bela mulher de olhos manchéticos e sorriso manipulático, filha do Sr. Conhecimento Nascimento e Dona Escrita Mesquita?
O sábio examina com seus olhos proféticos a acompanhante do aventureiro e, com veemência, esbraveja:
– Insensato! Não podes casar-se com tal sujeita! Essa flor que consideras inofensiva distorcerá teus órgãos palavrianos, deturpará tuas células objetivas por toda tua existência!
Alícia Notícia enfurece-se:
– O que disseste, Sr. Futuro?! Não! Não! Não hei de cometer tamanha atrocidade! Estás a enganar-se Sr. Futuro! Sou pura e fiel ao Fato!
Antes que Fato Viriato se manifeste em favor da noiva, o sábio retoma o discurso profético:
– Porém, se quereis unir-se em matrimônio não inibirei vosso intento. Por consideração a tua mãe, Sra. Conjuntura, terás a liberdade de fazer o que queres, Sr. Fato. Ainda que a solução de um problema se derive na necessidade de buscar outras soluções, é possível solucionar todo caso. Logo, aconselho-os a caminhar anos e anos de quilômetros e fugirem para a remota cidade de Comunicópolis, no Império Século Dezenove. Somente lá será possível uma relação de amor entre seres tão díspares quanto vós. Entretanto, se não reproduzirem crianças saudáveis e verídicas, não sobreviverão. É tudo o que tenho para dizer-lhes. Agora, retirai-vos do meu recinto! Devo voltar ao trabalho.
Alícia Notícia, contente pelos conselhos que o Mestre Futuro dera ao noivo, agradece-o dissimulando reconhecimento e gratidão. Segura a mão direita do amado e, juntos, descem o Alto da Namídia.
Ao entardecer do mesmo dia, Alícia Notícia proclama ao amado, com um brilho manipulático no olhar:
– O meu pai, Sr. Conhecimento, não aceitará nossa união, mas a minha mãe, Dona Escrita, irá nos ajudar. Vamos! Viajaremos, então, para essa nação longínqua. Agora sim, seremos felizes em Comunicópolis.
Fato Viriato nutria intensa confiança nas previsões do Sr. Futuro Lonjuro. Entretanto, estava enfeitiçado pela sensualidade informativa da jovem Alícia Notícia; acreditava ser possível conciliar seus interesses e emoções na essência do sexo jornalístico das manhãs futuras. Sucumbiu aos caprichos da amada.

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos de pura sedução" - Janeiro de 2017