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Sonia de Fátima Machado da Silva
Coromandel / MG

 

Apenas um sonho

           

Já foi Leão... Hoje é apenas Trovador, diz ele... Gosta de trovas sapecas. De viola caipira... Do Araguaia e também da lua cheia.
Os cabelos tem a cor do trigo madurando sob um céu azul nessas planícies de verão, cujo horizonte é infinito. E por falar em céu, ele está bem ali debaixo de suas pálpebras, colorindo suas pupilas, onde se esconde os segredos da sua alma. Segredos? Sim, um trovador tem segredos. Segredos que a lua sabe. Que sabem, também, os acordes de sua viola. E que, também sabem, as entrelinhas de seus versos. Inclusive os que certamente faz para sua musa, a poetisa, a qual todas as manhãs entrega uma rosa vermelha ou uma margarida amarela.
E por falar nela, um dia o encontrou rumo a Marte numa nave espacial, nessas viagens de sonhos que ele costuma inventar para seus amigos poetas. Ela estava lá em seu conto, abduzida da terra fugindo da realidade. Juntos com outros amigos poetas pisaram o planeta vermelho e sonharam reconstruir a sua atmosfera.  Reconstruir lagos... Plantar flores... Mas antes pararam na lua. Isso era fundamental, afinal eram todos poetas e a lua sua musa fria e distante.  Naquele dia a poetisa estava triste.  Em seu vestido verde esvoaçante e cabelos louros presos no alto da cabeça a poetisa olhava a superfície da lua alheia ao burburinho à sua volta. Através dos vidros da nave ela podia ver parte do Mar da Tranquilidade  formado de rochas basálticas. Tranquilidade... Quando a teria? Foi pensando nisso que até bebeu uma taça de vinho, sentindo o liquido queimar a garganta e depois esquentar o sangue. Logo ela que tinha aversão à bebida, ainda que fosse vinho, e o tivesse versado em tantos de seus poemas.  Foi dormir sonhando com o trovador...
Mas um dia a poetisa e o Trovador, encontraram-se também em alto mar num cruzeiro rumo à África. Era também uma viagem de sonhos inseridos num conto.
Naquela noite o grande Oasis of the Seas havia partido depois de um baile de despedidas e ela o encontrou no convés cismando aquelas águas profundas de um verde azulado. O mar estava calmo e apenas algumas ondulações causadas pelo movimento do transatlântico iam e vinham batendo de novo nos cascos. Ela chegou em silêncio ainda com o vestido do baile na cor creme e quase transparente, enrolada em um xale tecido com fios de seda em ponto segredo. As frágeis mãos segurando-o junto ao peito numa tentativa de esconder-se do leve frio da madrugada. Uma brisa soprava do mar e agitava seus cabelos loiros. Quando viu o trovador, ficou ali parada olhando-o e pensando no quanto queria ter dançado com ele naquela noite. O quanto queria ter se abrigado naquele peito forte e se perdido nem que fosse por uma noite. Mas ele preferiu ficar distante parecendo ignorá-la.  Isso a entristeceu ainda mais e quando ele finalmente a procurou foi ríspida. Agora estava ali arrependida.  Suspirou alto e isso fez com que ele se virasse bruscamente. Quando a viu veio ao seu encontro com passos indecisos. Os olhos azuis e sombrios escondendo coisas que ela queria adivinhar. Nos seus, além das tribulações da alma, havia súplica, pedido de desculpas, talvez.  Ele tomou sua mão pequena, ajudando-a a subir um degrau e ficaram ali calados olhando as estrelas.  Às vezes palavras soltas eram ditas como a brisa que ficava por ali pairando no ar. Os braços roçando-se como que de propósito e os corações aos saltos.
 Quando ele se virou para ela, cheio de pressentimentos, ela estava já buscando seu olhar e se perdeu nele num convite mudo. Num ímpeto ele afastou uma mecha loura de seu rosto e fitou por instantes aquele semblante que escondia tanto quanto seus poemas. Ela estremeceu em partes do corpo que pensara estar adormecidas. Com o dedo, um pouco rude, talvez, ele traçou a linha dos lábios da poetisa que os entreabriu para sentir o gosto quente da boca do trovador. Ele quis que ela sentisse todo o teu desejo quando a tomou também pela cintura fina e a puxou para si fazendo-a sentir a textura de teu corpo.
Por um instante esqueceram-se que existia um universo em torno deles. Um mar... Estrelas... O burburinho do grande transatlântico...
Mas num ímpeto ela se afastou deixando-o ali. O rosto assustado tentando compreender aquela atitude. As mãos nos lábios, sentindo o gosto e a maciez daquela boca rósea com a qual sonhara tantas vezes enquanto lia anonimamente seus poemas. Ele não entendia ainda que na vida da poetisa existiam muitas convenções que condenavam amores proibidos.
Mas um dia no meio daquele conto de sonhos, quando já estavam na África, perdidos numa aldeia indígena, ele disse que a amava fazia muito tempo e então ela não teve como fugir à realidade e se entregou a ele. Aos seus beijos quentes. Àqueles olhos azuis que escreviam versos mudos sob seu corpo. Era noite de lua cheia quarando entre as árvores gigantescas quando ele a fez sua.
 Quando o conto acabou, voltaram à realidade, que, apesar de tudo, era apenas um sonho cibernético. Era primavera naqueles dias. Dias de sonhos apenas imaginados correndo por campos de margaridas amarelas ou se deitando pelas alfombras verdes e macias naquelas tardes de pura sedução. Rindo e fazendo versos. Duetos. Amor...
 Dois anos se passaram. É novamente primavera e ainda estão juntos... Em sonhos...

 

 

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos de pura sedução" - Janeiro de 2017