Flávio Pupo Ferreira
Rio de Janeiro / RJ

 

 

Ágoras cariocas

 

Houve um tempo em que as praças cariocas cumpriam naturalmente a função de reunir pessoas para fins de interação social. Afinal, foi para isso que as praças foram criadas quando o homem deixou de ser nômade.
O Rio de Janeiro, onde vivo há mais de quarenta anos, sempre teve praças aconchegantes, com jeitão familiar, mesmo aquelas, digamos, mais pedantes, típicas dos bairros nobres, como a Nossa Senhora da Paz, em Copacabana, por exemplo. A Saens Pena, na Tijuca, é outro exemplo. Praças quase que exclusivas da classe média, mas que serviam a contento para o fim que foram projetadas.
Nos subúrbios, apesar de em número menor, as praças serviam de palco para as festas juninas, para o encontro dominical dos adolescentes, para um joguinho de damas dos coroas nos fins de tarde. Eram, simplesmente, praças com jeito de praças, com pipoqueiros, crianças andando de velocípede e os pequenos craques ensaiando os primeiros dribles. As vizinhos se conheciam, participavam da vida coletiva, as mulheres trocavam receitas de bolos e os homens falavam de política.
Só que, aos poucos, as praças foram deixando de ser praças, algumas foram cercadas, outras (principalmente aquelas dos bairros mais pobres) foram abandonadas pelo poder público. Com isso elas perderam sentido. Deixaram de ser as ágoras e se tornaram refugos urbanos; mato, lixo, cocô de cachorro. Ninguém mais vai ler jornal na praça, nenhuma criança brinca mais de gangorra, ninguém fala mal do governo, ninguém marca mais encontro com a namorada no banco embaixo do oitizeiro. As hermas de bronze, como que por mágica, sumiram e ninguém sabe que destino tomaram. As praças, hoje, estão à espera de um descuido da população para serviram à ganância da especulação imobiliária. Ou alguém duvida que daqui a pouco vão surgir novos condomínios nesses espaços tão indispensáveis à vida social.
E o pior, é não haverá mais lugar, então, para os vizinhos se reunirem e protestarem. Lamentavelmente, estamos vendo, impassíveis, o fim das ágoras cariocas.

 

 
Poema publicado no livro "Contos Urbanos" - Abril de 2018