Marina Moreno Leite Gentile
O acordo
Dabisa era atenciosa, o assunto predileto era a família e parentes. Se alguém desejasse saber das novidades, bastava ir na casa dela. Era a filha mais velha. A matriarca da família já estava com 95 anos. Dabisa não desejava que a chácara da família fosse vendida para um estranho, quando a matriarca partisse para a eternidade, por isto achou apropriado fazer algo. Procurou cada um dos irmãos, demonstrando interesse de adquirir as respectivas cotas da futura herança. Ela começou a abordagem pelas irmãs ricas. Duas tinham situação econômica privilegiada, fizeram questão de doar suas partes para Dabisa. Outro irmão, com mais instrução e que não morava na região, também demonstrou desinteresse, pois era um rico fazendeiro da região; também fez a doação para Dabisa. Restaram quatro irmãos que não renunciaram o direito a futura herança, contando com o Pedro. Era o único que residia na chácara. Foi acertado um valor, cujo pagamento seria em parcelas, em datas estabelecidas. Entretanto, para adiantar o processo, todos os irmãos deveriam assinar um documento antes da quitação do pagamento, assegurando todos os direitos de propriedade para a irmã. O pagamento seria realizado após a assinatura deste documento, em parcelas. E com este documento, a escritura foi lavrada. Dabisa dissera que aquela atitude era apenas uma prevenção para o futuro, pois amava a família. Todos concordaram exceto o desconfiado Pedro. Mas diante da atitude dos irmãos, ele ficou constrangido e assinou, com a promessa de receber todas as parcelas, bem como poder residir o tempo que desejasse naquela chácara. As primeiras parcelas foram quitadas como o combinado, mas posteriormente ocorreu um grave problema. O país passava por uma crise econômica, Dabisa perdeu parte do que tinha, ficou impossibilitada de saldar os compromissos. Como estavam entre irmãos, todos relevaram exceto o Pedro, por razões óbvias. Era o único que tinha poucos recursos. Pedro tinha planos de adquirir outra propriedade, então ficou em situação complicada. Nada podia fazer, a vida continuava. Depois de algum tempo a irmã Dabisa pagou algumas das parcelas atrasadas, todavia sem juros ou outra correção. Portanto não houve condições para Pedro adquirir outra casa, com aquele dinheiro fracionado, sobretudo desvalorizado. A realidade foi cruel para Pedro, o perdedor. A tristeza o deixou enfermo, em poucos anos partiu para a morada eterna. Os filhos e a esposa de Pedro nem tiveram tempo para chorar. Poucos dias após o funeral, receberam uma intimação para desocupação da chácara, sem chance de recorrer. Chegaram os oficiais de justiça, ordenaram que tirassem os móveis e pertences e colocassem no quintal. Com um trator a casa centenária foi demolida. Desolação total. Mas a justiça pode tardar, mas não falhar. Tudo que fora tirado de Pedro foi gasto em hospitais. Ela sofreu por muito tempo, dores terríveis. Segundo dizem, a pior dor foi o arrependimento. Se alguém souber de uma história parecida, a ficção é mera coincidência.
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Poema
publicado no livro "Contos Urbanos" - Abril de 2018 |
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