Otaviano Maciel de Alencar Filho
Fortaleza / CE

 

 

A maldição do córrego

 

O estreito córrego que corta o bairro onde Adélia mora, no passado foi palco do surgimento de uma das histórias mais macabras que se pode imaginar: Lá pelos anos sessenta do século passado, o povo que morava às suas margens, foi surpreendido por relatos que davam conta de que em determinado trecho do riacho estava acontecendo coisas estranhas e assustadoras, e que o local era assombrado por “espíritos das trevas” que se divertiam em assustar as pessoas que passavam pelo lugar.
Quando Adélia foi morar em uma rua próxima ao córrego, no início do século vinte e um, essa história era pouco conhecida pelos atuais moradores e os poucos que a conheciam atribuíam a ela a imaginação fértil dos moradores daquele tempo. Adélia, que não era dada a superstições, ignorou a historia.
Atualmente o córrego não tem mais a abundância de água que tinha no passado e uma rua foi aberta em um de seus lados, possibilitando a passagem para outras ruas que foram abertas, dando acesso a um conjunto habitacional que foi construído às suas margens.
O vai e vem de pessoas, que circulam diariamente pelo local, não deixa dúvidas de que ali é um lugar como outro qualquer. O único inconveniente fica por conta da falta de iluminação pública, que deixa muito a desejar em determinado trecho que fica rente ao ribeiro, ficando desaconselhável a passagem de pessoas durante a noite, visto que, embora não haja relatos de aparições de “fantasmas”, a ocorrência de assaltos é muito grande neste trecho, principalmente no período noturno.
Certo dia, Adélia telefonou para uma parenta sua, que morava há muitos anos no bairro, procurando saber se ela tinha um analgésico, pois estava com uma forte dor de cabeça. Eulália respondeu afirmativamente à sua consulta e que ela poderia ir busca-lo, mas tivesse muito cuidado quando passasse na rua do córrego, visto que, embora, as pessoas não estivessem falando de acontecimentos estranhos no local, ela pressentia que algo de anormal estava para acontecer a qualquer momento.
- Eu sou vacinada contra essas crendices populares, tia Eulália. Creio em Deus!- respondeu enfática.
Por volta das dezenove horas, quando Adélia dirigiu-se à casa de sua tia, que residia a três quadras de distância de sua residência, foi surpreendida com algo inusitado: ouviu alguns assobios e vozes de chamamento. Olhou para os lados e não viu ninguém. Continuou andando e novamente a voz foi ouvida. Mais uma vez ela olhou em seu entorno e não viu absolutamente ninguém na rua. Neste instante ela ficou assustada. Andando em passos largos, observava atentamente tudo a seu redor e instintivamente dirigiu o olhar para o interior do matagal que ladeava o riacho. Passados alguns instantes uma forte ventania balançou as plantas e, em meio à penumbra, Adélia pode ver um vulto em forma humana que vinha correndo a seu encontro. Imediatamente tentou correr, mas suas pernas ficaram pesadas e os passos, morosos . Na tentativa de escapar do estranho ser, que imaginava ser algum malfeitor, não conseguiu correr. A sombra, de súbito, pulou sobre ela, e estancou em seus magros ombros, fazendo-a cair. Estranhou o fato de não ter nenhuma pessoa sobre ela. Ali permaneceu imobilizada.
A tia de Adélia, que aguardava ansiosamente sua chegada, ficou preocupada com sua demora e solicitou que sua filha mais velha fosse a sua procura. Lídia saiu rapidamente e a encontrou na rua, deitada ao solo. Imediatamente a ajudou a se levantar.
Ao chegarem à casa de Eulália, a anfitriã quis saber o que tinha acometido Adélia para que ela estivesse naquela condição mórbida.
Ainda sem forças e sentindo um forte peso nos ombros, Adélia contou o ocorrido, deixando sua tia e sua prima muito apreensivas!
Após D. Eulália se certificar do ocorrido, tratou de tomar as devidas providências para que sua sobrinha tivesse de volta sua saúde. Em seu íntimo, sabia o que tinha ocorrido para que sua sobrinha se encontrasse naquele estado doentio. Pediu que a mesma ficasse quieta e então passou a orar em silêncio. Após alguns instantes, cerca de três quartos de hora, Adélia já se sentia sem os sintomas desagradáveis que a acometia. Poder-se-ia dizer que estava ótima de saúde não fosse a dor de cabeça que a levara à busca de remédio.
- Que aconteceu comigo, tia? Quis saber.
D. Eulália, esboçando leve sorriso, sentenciou:
- Não Fique preocupada, não! Digamos que foi uma dessas “crendices populares” que lhe pregou uma peça. Finalizou a conversa dando um forte abraço na sobrinha, ministrando-lhe o bendito analgésico.

 

 

 

 
Poema publicado no livro "Contos Urbanos" - Abril de 2018