Maria Ioneida de Lima Braga
Capanema / PA

 

 

Fim de jogo

 

Olhou o celular: dezesseis horas em ponto. Saía sempre àquela hora para a caminhada costumeira. Era anônima, não tinha nome, morava sozinha. E no que isso importa, excesso de detalhes só cansa o leitor. Digamos que é só mais uma moradora da cidade. Pois bem. Ela lembrou que precisaria levar seu vídeo game para o conserto, assim já aproveitaria o percurso. Melhor não, pensou. Iria atrasar- se e isso implicaria em seu retorno para casa. Caminhava a tarde todos os dias e voltava sempre antes das seis. Morria de medo de estar na rua depois de escurecer. Ainda hesitou, melhor levar outra hora, porém não podia mais adiar, tinha urgência, já há quase uma semana sem seus jogos. Adorava jogar. Talvez até fosse a única que ainda jogasse Mario Word. Sabia o quanto os jogos haviam avançado, mas seu bom e velho Super  Nintendo era companheiro para todas as horas. Não estava nem aí que fosse velho, nunca abriria mão dele e o mandaria para o conserto enquanto tivesse jeito. Precisava renunciar a sua caminhada daquela tarde, tudo pelo seu Vídeo Game. Era seu único passa tempo. Assim sendo, sem mais hesitação saiu. Já no segundo quarteirão pensou que poderia ter ido de bicicleta, já que sua missão era apenas a assistência técnica, assim voltaria cedo para casa, mas seguiu em frente e acelerou os passos. Finalmente avistou a “cybernet”. Disseram que o rapaz de lá ainda consertava esse tipo de jogo.  Os outros já não mexiam mais neles. Em frente tinha uma faixa de pedestres. Precisava atravessá-la. Olhou cautelosamente para os lados. No outro lado da rua dois rapazes iam chegando numa moto. Um caminhão baú topou-lhe a visão. Engoliu o monóxido de carbono e começou a atravessar. Quando venceu a faixa, um dos dois rapazes segurava a porta do cyber e abriu-a para ela “que delicado tão raro ho...” não concluiu o pensamento, já sendo empurrada para dentro e eles anunciando o assalto. Sentiu uma arma em sua cabeça e foi obrigada a deitar-se de bruços, no chão, junto com os demais. Pisaram-lhe nas costas mantendo-a como refém. Foram só minutos, mas diante do terror, fez-se parecer uma eternidade e os piores de sua vida. Os meliantes limparam o local numa rapidez estrondosa. Ouvira falar da onda de assalto nos últimos dias, mas nunca se imaginou vítima, pois essas coisas parece que só acontecem com os outros, e na TV. Quando os bandidos se foram e enquanto aguardavam a polícia foi aquele burburinho e correria. Foi aí que ela começou a observar o local mais atentamente. Pode perceber que tinham limpado os armários, mas ao baixar as vistas viu seu vídeo game debaixo de uma mesa, talvez tenha sido lançado para lá quando fora jogada no chão. Não dava para saber estava muito confusa.  Porém reconheceu seu “amiguinho” na hora, pela sacola de supermercado que o continha. Explodiu por dentro um “graças a Deus”. A noite já em casa, de vez em quando lembrava dos assustadores momentos e sentia um calafrio. Fez um chá, sentou-se no sofá da sala e põe-se a tomá-lo em pequenos goles.  Deu um suspiro agradecido e rezou.  Rezou uma prece muda pedindo para nunca mais passar por aquilo. Sentiu mais um calafrio, logo aliviado pela perspectiva de que no dia seguinte pegaria seu Super Nintendo, então ficaria tudo bem. Ele a ajudaria a esquecer. A noite não foi das melhores. Teve um sono povoado de pesadelos. Acordou abatida, porem ansiosa. Iria buscar seu game. Torcia que o rapaz, o rapaz também não tem nome, tenha conseguido consertá-lo, caso não, estaria perdida. Tomou banho, fez uma maquiagem leve, perfumou-se e saiu em busca de seu bem precioso. Pena que mais uma vez não iria a sua caminhada. Paciência, ficaria para amanhã... Chegou ao seu destino. A faixa de pedestre a sua frente como um abismo a ser vencido. Tudo pelo game, avançou. De repente um estrondo. Sentiu na cabeça uma forte espetada, amenizada, logo em seguida, por um surpreendente bem-estar sonolento e foi arriando devagar como em câmara lenta. Aconchegou-se no solo em posição fetal e alguém gritou “Foi uma bala perdida”. Mas, ela já não ouvia. Tomada por uma sensação maravilhosa de paz morreu ali mesmo, no meio da faixa e a pouco passos de seu velho Super Nintendo. Fim de jogo. Nunca venceria o Coopas... 

 

 

 
Poema publicado no livro "Contos Urbanos" - Abril de 2018