Neri França Fornari Bocchese
Pato Branco / PR

 

 

Era um domingo de Verão

 

Contam que o fato ocorreu num domingo de verão, em Villa Nova. Não se sabe exatamente a data, é difícil precisar numa façanha dessas. Mas os envolvidos afirmam que foi lá pela década de 1940. Os três inventores "souberam" fazer o que todos os seres humanos desejam.  Nem o professor Pardal não teria construído ainda, tamanha invenção. 
Quando chegaram na pequenina Villa, informaram-se sobre quem eram os abonados, chamados na época de tubarões que começavam alçar voo no campo econômico. Chamaram então os ilustres senhores para demonstrarem a máquina revolucionária. Um invento nada mais, nada menos do que  uma "Máquina de fazer dinheiro".
Tudo aconteceu num domingo, no dia do Senhor. O local escolhido foi nobre, o palco do Clube "O Poeira", que era para não deixar dúvidas, diante dos atônitos e embasbacados espectadores, a maravilha envolta de uma proteção toda especial, nada mais do que um embrulho de veludo. 
Colocada em funcionamento, iam explicando com todos os detalhes de como ela funcionava, pois naquele tempo uma máquina não era do domínio de conhecimento da população. Eram elas movidas com manivelas. 
Enfim, boquiabertos viram a máquina receber um papel em branco e acionando a minúscula manivela, muitas vezes rangia, devolvia do outro lado notas de dinheiro. 
Eram novinhas estavam ainda quente, a tinta era fresca. Era preciso dar um tempinho para poder pegar na mão. Elas precisavam de uns minutos para que secassem. 
Um deslumbrante, um impulso para os que queriam fazer o pé-de- meia. 
De imediato a pergunta: - Está pra venda???
Como bons empresários, o pessoal vindo de longe, lá do Sul, disse: 
- E, os senhores têm dinheiro pra tanto??? Isto custa uma fortuna. Em princípio, não queremos vender!  Foi difícil montar essa máquina. Mas... podemos conversar. . . Dependendo da proposta vamos pensar... 
-  Não, essa quantia é muito pequena, nem pensar!
Os lances individuais foram sendo rejeitados, um por um.
Os sedentos moradores da Villa, por dinheiro fácil, coçavam a cabeça e, sonhavam... Não podemos perder essa oportunidade...
Era oferta feita em dinheiro. Ainda era um tempo que se guardava, em casa e embaixo do colchão, ou melhor, no meio de palhas de milho. Selecionadas, sem nenhum carocinho.
Difícil de encontrar, ficavam as cédulas enroladas  numa peça de roupa bastante usada.
Até terras, foram ofertadas. Eram baratas. Era só "dar um troco" para os caboclos e se apossar... Alguns abastados já tinham um veículo, era o sinal do poder econômico. 
Todas as propostas foram recusadas pelos senhores proprietários de tão singular objeto.
Começaram a se formar grupos, rivais e competidores entre si. Já pensando de como depois se livrariam do sócio, costume daqueles tempos. Só era preciso contratar um pistoleiro.
Não podiam perder aquele prodígio. A aquisição de uma máquina de fazer dinheiro real estava ali,podia ser tocada. Deu até pra experimentar seria o fim de uma vida de trabalho árduo, de lutas, sacrifícios. Seria o começo da abastança, iria representar a vida cômoda tão sonhada, cheia de caprichos para si e para família.  Uma fonte de riqueza, fácil e inesgotável. A galinha dos ovos de ouro, como na história, tantas vezes ouvidas na infância de cada um dos que estava ali no Clube naquela manhã de domingo.
 As ofertas foram se avolumando. Por fim, os ilustres senhores, ouviram de uma dupla que apresentou lance insuperável, e evidente ao agrado dos inventores:
- Um caminhão quase novo e uma enorme quantia de dinheiro. Seria entregue na hora, tudo à vista como propuseram os vendedores. 
Um deles “esvaziou o colchão”, para arrumar a quantia, o outro valeu-se do depósito do cofre da empresa, deixando-o “pelado” como se dizia no linguajar da época. 
- Afinal seria só uma questão de horas... De dias, no máximo. Até arrumar o papel especial e necessário para a dita máquina funcionar. Depois tudo retornaria... ao normal. Com o dinheiro sonhado, na mão.
Sacramentado o negócio, trataram os dois irmãos de guardar e bem guardado, aquela sensação caída do Céu. Você sabe, né ... a inveja... o ciúme!
Ansiosos e impacientes, no entanto, a noite já avançada daquele dia especial, foram ter com  a “salvadora” assim chamada a maravilhosa máquina de fazer dinheiro. Era  preciso aprender bem.
Com cuidado! Com carinho  e até com certo temor, pois de agora em diante seria só desfrutar da felicidade que o dinheiro proporciona.
 – Colocaram ao papel no lugar, bem devagar.  Depois manobrar a manivela. Não com muita força, para ela não enroscar. 
- Lá vai... Maravilha... Apreenderam.
 Então as despedidas. Agora é só ir para casa descansar, pois era um dia de Domingo. Nem a Igreja tinham ido. 
A ganância era tanta que resolveram começar a produzir cédulas novinhas de dinheiro, naquela mesma noite.
 Seguiram todos os passos, bem vivos na memória.
Nem respiravam. A expectativa deslumbrava a família reunida. 
- Mas o quê?
 A máquina só devolveu um papel e, todo borrado. Alguma coisa não deu certo. Vamos tentar mais uma vez... Repetir o processo bem devagar. A família, toda em suspense... Os filhos alguns já moços querendo ganharem algumas cédulas para gastarem  com as namoradas. Antevendo que iriam fazer sucesso.
Papel borrado outra vez. A cada apelo, a geringonça respondia com mais papel e borrado. . . papel sempre todo borrado, nada de uma cédula  novinha de Cruzeiro.  Até que nem mais papel borrado ela devolvia. Acabara até a tinta.
Então caíram na real. Foram ludibriados.
- Ah!... eles nos pagam!!! Deixe o dia amanhecer. Vão saber quem somos nós. Aqui na Villa  mandamos. Somos respeitados.
Foram dormir vítimas de calote. Não se deram por vencidos. Ninguém brinca com a gente desse jeito. 
Malmente o dia começou a amanhecer, nos primeiros  sinais da aurora partiram em busca dos vendedores. Iriam até o fim do mundo, se fosse preciso. 
Pelo caminho, localizaram os ilustres vendedores, reconheceram o caminhão, comprado com tanto sacrifício. 
Os safados vendedores, bem depressa responderam:
- Negócio é negócio! Não tem nada de desmanchar. E, ameaçaram:
- Tratem de voltar para sua terra, enquanto estão vivos. Foi dito com autoridade. Uma ordem dos senhores vendedores da maravilhosa máquina. 
Os homens ilustres da Villa estavam decididos, não voltariam de mãos abanando. não se entregaram. Acostumados a ganharem sempre, já tinham contratado até um ladrão, para ir roubar o caminhão.    
Como os senhores da Villa, prevendo que a tarefa não seria fácil, levaram junto um soldado. Era uma autoridade, com medo do pior, pois a vida era mais importante que o dinheiro conseguido de maneira tão fácil. 
Depois de muita conversa resolveram obedecer. Todos estavam armados até os dentes.
Entregaram o caminhão.
Assim, num verão, com muito calor, os Senhores da Villa, ficaram sabendo que havia gente muito mais esperta do que eles.

 

 

 

 

 
 
Poema publicado no livro "Contos de Verão" - Edição 2019 - Fevereiro de 2020