Deise Pontes
São Gonçalo / RJ

 

Vestido vermelho





            Quézia, foi criada numa tradicional família de evangélicos, para seguir as doutrinas de Deus e da igreja. Aos 16 ficou noiva de Davi, que assim como ela, também era de uma família tradicional. Aos 21 se casaram, tinham uma vida simples. Ele trabalhava de dia e faculdade à noite, ela trabalhava como professora em uma escola perto de casa, ambos eram inexperientes em tudo, eram totalmente doutrinados pelos pais e pelos anciãos da igreja. A vida social era resumida aos cultos dominicais, os eventos religiosos, casa de amigos e familiares.
            Após 5 anos casados e sem filhos - ela agora fazia faculdade e queria terminá-la primeiro e faltava só mais um semestre -  a rotina do casal continuava a mesma. Um belo dia ela passou em frente a uma loja e se deparou com um lindo vestido vermelho, muito ousado para os seus padrões, porém foi amor à primeira vista, no entanto não poderia comprá-lo, porque não teria como e nem onde usar.
            No dia seguinte fez questão de passar em frente à loja, para se certificar se o vestido ainda estava lá, sim ele ainda não havia sido vendido. Quézia não pensou duas vezes, comprou-o, ao chegar em casa vestiu e se olhou no espelho, como lhe caíra bem, parecia ter sido feito sob medida, no entanto achou que precisava de sandálias de salto, iria deixá-la mais elegante, olhou o relógio, teria um tempo antes do seu esposo chegar para poder desfrutar daquele pequeno prazer, seria seu segredo.
            Ela já sabia onde esconderia o vestido para que Davi não visse.
            Assim foram os seus dias, a cada semana comprava algo que combinasse com o vestido: primeiro foram as sandálias prateadas de salto alto, na outra os anéis, depois os brincos, o batom, a lingerie e até o corte de cabelo, todos os dias religiosamente ao chegar em casa se arrumava como se fosse a uma festa, colocava uma música e dançava rodopiando com seu lindo vestido vermelho.
            As pessoas começaram a desconfiar que algo havia mudado, seu semblante parecia irradiar e logo se tornou alvo de fofocas maliciosas de alguns membros da sua congregação, até chegar aos ouvidos do seu marido Davi. Ela alheia a tudo só pensava nas suas tardes secretas e jubilosas.
Um dia Quézia, não apareceu para dar aula, tampouco na faculdade, não atendia as ligações do celular, nem nos cultos souberam dela, disseram que havia fugido, seu marido Davi andava triste e cabisbaixo.
            Passou um ano sem que ninguém tivesse notícias, até que no verão alguns jovens fazendo uma trilha pela floresta, em meio ao amontoado de folhas secas encontram um esqueleto usando sandálias de prata e um surrado vestido vermelho.

 

 




Conto publicado no livro: "Devaneios"- Edição 2022
Fevereiro de 2022

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