Neri França Fornari Bocchese
Pato Branco / PR

 

No "baú das memórias"





          Conversa vai, conversa vem e lá escondidinho - que nem escondidinho de camarão que desmancha com calor - uma lembrança que já era para estar enterrada a mais de sete palmos. E depois de tantos anos, já devia ter sido absorvida pela Mãe Terra.
          Mas eis que surge do nada.
          A Senhora, mãe de quatro filhos, mas apaixonada pela nora, loira de olhos azuis, quem nem os do papai com mania de que nome não pode ter apelido e nem chamado pelo diminutivo, pois o papai sempre dizia: 
          - Porque não registraram com o apelido.
          Foi querer doutrinar, a nora alemã de convicções bem sedimentadas, quando essa teve o seu segundo filho, que hoje mais de 40 anos depois é chamado carinhosamente pelo diminutivo do mesmo nome paterno.
          Levou, ela na casa do filho amado umas palmadas no rosto nobre de olhos azuis.
          Muita dor! O coração entrou em cena. O médico foi chamado.
          A filha primogênita que sempre defendeu a senhora sua mãe, com muita mágoa disse:
          - Se alguma coisa acontecer a minha mãe essa danada será a responsável. 
          Os filhos, que moravam numa cidade distante, em outro estado, foram buscar a mãe ultrajada.
          Os laços foram rompidos. O tempo passou e, a velha senhora não esqueceu, a nora bem-amada. 
          Tentou reaproximação. Dizia: 
          - É preciso perdoar. Tem as crianças. Agora já são três netos. E nessa família, a única neta, entre 13 homens.
          A safada com desejos de vingança, próprios da vida altiva, mas sem fraternidade, com todo o rompante, impôs uma condição:
          - Só vou aí, na sua casa e deixo as crianças irem, se a sua filha, a mais velha, me pedir desculpas.
          Então, com essa declaração, se ficou sabendo que o nobre cunhado e a irmã mais nova, que também tem os cabelos loiros e os olhos azuis do Papai, tinha ido de carro após o acontecido contar, a ela, da sua indignação. 
          Com toda a certeza não pensaram na grande ofensa feita a mãe, mas apenas salvaguardaram a bela cunhada de origem ariana.
          A mãe, que era mais sogra do que propriamente uma mãe, implorou com toda a sua veemência, usando de toda as astucias possíveis, para que a filha que trazia os traços paternos e a índole do povo italiano, imigrantes nesse país maravilhoso, exigindo que se retratasse.
          Afinal, dizia ela, quem recebeu o bofetão fui eu. E, estava disposta a oferecer a outra face.
          Para a harmonia da família, assim se fez. O pedido de desculpa foi efetuado.
          A sagacidade da cidadã germânica, se viu glorificada. 
Nunca mais levantou a mão contra a sua sogra, mas também não acolheu a família de seu marido.
          Anos depois, se separou. Os filhos convivem com o pai, com todo o carinho. Um deles mora junto e trabalha no mesmo ramo. Em um Estado, bem distante da mãe e da sua família.
          E, a ilustre senhora, agora idosa, mora sozinha. Enfim, são as voltas que o mundo dá. 
          O mais terrível foi a mãe não ter abençoado e agradecido, a filha que a protegeu.
          Nem toda a mãe, é mãe de verdade. Algumas são mais sogras.
          O tempo passou, a memória ficou guardadinha, lá num cantinho do subconsciente e de repente veio à tona.
          Neste episódio, inverteu-se os papeis, foi a filha que como uma leoa defendeu a Senhora, sua mãe. E, não o que se está acostumado a ouvir: 
          - Qual a mãe que não defende um filho.
          Hoje a Senhora é falecida, o neto continua a ser chamado pelo diminutivo. 
          O Papai de olhos azuis, há muito tempo deixou de influenciar a sua prole. Porém o que ele tinha por norma, perdurou por quase 100 anos.
          A nora, mui amada, sozinha ausente da família. Não foi capaz nem na doença fatídica da sogra que que a colheu com tanta afabilidade, ao menos telefonar, para com ela conversar. Ou quem sabe, com tanta predileção, fazer uma visitar e assim confortar a enferma, nos seus últimos tempos de Vida Terrena.
E, a lição de vida ficou. Ser mãe não é muito fácil. Às vezes, é melhor ser sogra.
          De um filho pode-se até exigir um pedido de Perdão, sem ter consideração nenhuma com o fato acontecido.
          Tudo isso é passado serve apenas com uma reflexão. Talvez, até como um desabafo de uma filha, que foi preterida por uma nora ardilosa, mas querida, “tinha os olhos azuis do Papai e os cabelos loiros como os meus”. 
          Seja lá o que quer que tenha sido, deve permanecer sepultado, a bem mais de sete palmos. 
          A vida segue o seu curso, na sucessão dos seus dias e noites com muita sabedoria!

 

 

 




Conto publicado no livro: "Devaneios"- Edição 2022
Fevereiro de 2022

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