Tânia Mára Souza Guimarães
Uberaba / MG

 

 

Pronto, falei!!!...

 

          

Indicaram um número para ligarmos quando necessário. E nós ligamos mesmo.
Do lado de lá, uma voz meio gente, meio máquina, atende com a gentileza peculiar a estas tais secretárias do mundo moderno:
- É um prazer receber sua ligação. Disque 1, se já é nosso cliente; disque 2,  se isso; disque 3, se aquilo; (...) disque 7, se deseja falar com um de nossos atendentes; ou disque 8, para ouvir novamente o menu!
Na maioria das vezes, quando chegamos à quarta opção e nenhuma delas pareceu estar de acordo com nossa necessidade no momento, nossa imaginação fica vagando. Tentamos nos recordar do que nos tinha sido proposto até aquele momento; e daí, pronto: somos obrigados a discar o 8 e ouvir de novo toda a gravação. Aff!!!
Ao ouvirmos novamente, mais concentrados, clicamos o número que entendemos ser a melhor opção e lá vamos nós a mais uma gravação.
Vamos supor que nossa escolha tenha sido o número 7. Embora em algumas ocasiões haja mais um menu de escolhas quando optamos falar com o atendente, esta costuma ser a opção mais indicada. É que parece ser melhor tratar com alguém de carne e osso do que continuarmos nossa pseudocomunicação, por tempo indeterminado, com uma máquina.
Após clicarmos no número 7 em nosso aparelho telefônico, normalmente somos brindados com uma canção, tão bem escolhida e mecânica como a voz eletrônica que nos atendeu no início da ligação. Isso, embora às vezes dure segundos, parece-nos uma verdadeira eternidade.
Instantes depois alguém do outro lado nos atende educadamente, vindo em seguida a necessidade de fornecermos ou confirmarmos alguns dados, tais como: nome completo, CPF, RG, endereço, telefone de contato, filiação. E por aí vai.
Dados confirmados, o atendente passa a questionar-nos sobre o real motivo da ligação.
Expomos com detalhes o nosso caso, algumas vezes com perceptíveis alterações na voz e na forma de nos expressar. Nesse instante, quase sempre nos sentimos obrigados a desculpar-nos, uma vez que, pelo menos por alto, conhecemos também a realidade daquele atendente: normalmente ele é um dos 50 que passam o dia todo juntos em uma sala fechada, com ar condicionado; seu trabalho é desempenhado quase sempre em mesas baias de diversos lugares. Enquanto ele mesmo não está a falar com uma das centenas de pessoas que atende diariamente, é obrigado a ouvir os demais 49 aparelhos telefônicos tocando sem parar; e os seus colegas a falar, e falar, e falar.
Tudo bem! Respiramos fundo! Nossa raiva não pode e não deve ser despejada sobre aquele atendente. A nossa questão, na realidade, é com alguém que está mais acima!
Tá! Voltemos ao atendimento:
O atendente ouviu atentamente, aceitou nossas desculpas e entendeu nossa apreensão sobre o caso que lhe foi apresentado. Daí ele nos orienta a encaminhar um e-mail para o endereço tal, com cópias de todos os comprovantes e documentações referentes ao caso e em seguida aguardar cinco dias úteis até que nossa solicitação seja analisada e nos venha uma resposta. E o único jeito é esse mesmo: aguardar, e pronto!
Em outra ocasião, após os mesmos dez primeiros passos até que nossa ligação fosse, afinal, humanamente atendida, estamos então a falar com outro atendente. Ele, por sua vez, tendo passado pelo mesmo treinamento no mesmo RH, educado e atento, nos ouviu, também aceitou nossas desculpas e também se prontificou a ajudar-nos; mas, conforme ele mesmo nos informa, infelizmente aquele caso não tem nada a ver com o setor dele. Desta forma está obrigado a devolver a ligação à central de atendimentos para novo encaminhamento. Agradece imensamente a ligação e lá estamos nós na estaca zero novamente!
Ah não! Isso não! Tudo de novo?
(...)
Tô eu aqui agora, pensando nesses muitos atendimentos aos quais tenho me submetido nestes últimos anos, desde que meu nome começou a aparecer como único destinatário de cartas de cobrança enviadas ao meu endereço.
Ano de eleição e ainda por cima esta minha cabeça que vive a viajar em ideias a partir até mesmo de uma folha de árvore que, pela força do vento é levada ao chão, pus-me a costurar alguns pensamentos:
Sei que é preciso estarmos ligados! Mas, ligar para quem?
Daqui para frente um ‘menu’ de números a serem digitados, desta vez nas urnas, é o que não vai  nos faltar.
Contudo, pelas histórias que tenho ‘lido’ e também pelas histórias que ouvi meu pai contar, a coisa costuma ser mais ou menos assim: seguimos as instruções, acreditamos nas propostas que nos são apresentadas e apostamos em melhoras que poderão fazer parte de nossas vidas nos próximos quatro anos de um mandato. Só que, normalmente, quebramos a cara ao perceber que de mandato mesmo, não temos nada. E o pior, nem no que diz respeito a eles, nem no que diz respeito a nós mesmos!
No caso deles, é porque muitas vezes não conseguem manter a integridade nas responsabilidades que lhe são impostas quando eleitos. No nosso caso, é porque costumamos não ler aquelas pequeninas letras de algumas partes do contrato, e nem temos noção do que estava realmente por trás daquilo que nos havia sido prometido na campanha.
Daí, quando vêm os problemas, ocorre que entramos naquele ciclo vicioso de ligar para um número no qual seremos coincidentemente atendidos por uma secretária eletrônica que nos apresentará outro menu, e outro, e outro...
Mais tarde, e normalmente tarde demais, descobrimos que as respostas aos nossos questionamentos são responsabilidade de outro departamento.
Permanecemos assim, quase quatro anos tentando entender o que deu errado, tentando encontrar respostas pras nossas perguntas, tentando descobrir quem poderá nos defender.
Quem, aquilo? O quê, isso?
E o tempo passa e de novo chegam as eleições e a nossa ‘ligação’ será transferida a um outro candidato que, infelizmente, além de não ter as nossas respostas, ainda vem cheio de novas propostas...
Daí dá aquela vontade de ligar e falar, e falar, e falar. Desabafar de verdade, desligar na cara do sujeito e depois torcer para que o número dele não tenha bina!
(...)
Pronto: falei!!!

 

 

 

 
Poema publicado no livro "Data venia!... E tenho dito!" - Contos - Março de 2018