Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ

 

Meu primeiro emprego

 

          

      Quando percebi que na vida tudo vem através do dinheiro, fiz uma escolha pessoal como forma de viver.
      Depois de um dia exaustivo na escola, cheguei a casa, entrei na sala e joguei minha pasta com os livros e cadernos numa cadeira. As aulas foram bem interessantes.  A aula de Matemática (com maiúscula mesmo!) despertou um sentimento em mim que pensei que fosse para sempre. A professora fez problemas com valores reais da época. Colocou no quadro com letras bem grandes: “O que é que se faz na vida sem dinheiro?” Foi o preâmbulo da aula. E ela fez com que percebêssemos que a vida era como uma teia de aranha e o ponto inicial da teia era o dinheiro. Do sonho mais simples até o mais complicado era necessário dinheiro. E disse que a matemática era a professora do dinheiro.
      Adotei a teoria dela e comecei a pensar na forma de ganhar algum dinheiro, precisava de uma ideia. Vivendo no interior e numa família grande, aquela frase saltitava na minha cabeça de oito anos de idade: “O que é que se faz na vida sem dinheiro?”. E pensava o que eu poderia oferecer e ter em troca um pagamento em dinheiro pelo meu trabalho.
      Certa manhã a vizinha conversando com minha mãe, falou que estava chateada porque a filha de sete anos não estava conseguindo aprender a ler. Aquela conversa acendeu uma luz na minha cabecinha: - se eu já estava no quarto ano da escola e sabia muito e era a primeira aluna da classe, por que não usar esse conhecimento?
      A noite, esperei um momento mais sossegado, e perguntei ao meu pai se ele poderia fazer uma mesa bem grande para mim e com bancos à volta. Para minha surpresa ele disse que sim, sem me perguntar para o que eu precisava de uma mesa grande.
       Passados quinze dias, ele me chamou e mostrou a mesa. Quase chorei. E ele comentou: - Estávamos precisando de uma mesa assim e todos vão aproveitar muito esta mesa.
      Com a ferramenta que eu precisava, peguei um caderno e fui à casa das vizinhas mais próximas que tinham filhos na escola até o terceiro ano. Expliquei que eu daria aulas na parte da tarde e cobraria, o que corresponderia na data de hoje, R$8,00 por mês, com aulas duas vezes por semana. No final do mês eu já tinha dezoito alunos. Poucos mais novos do que eu, a maioria da mesma idade ou até mais velhos. E me respeitavam! Dois meses depois tive que recusar alunos, pois não tinha mais horário nem espaço. Nunca mais na vida fiquei sem dinheiro. Nunca mais????
      Aprendi a trabalhar e a respeitar o dinheiro. Direcionei a minha vida aos estudos e ao trabalho, fiz muitos cursos e especializações.
      Subi e desci serra todos os dias para ir à capital frequentar à Universidade e conseguir graduação. Passei por muitas profissões, muitos empregos. Até que, em um momento da vida optei por formar uma família e permaneci somente como Funcionária Estadual. Depois de muita dedicação ao trabalho e ser uma profissional responsável, e como terminam as histórias de contos de fadas: - “e muitos e muitos anos depois foi aposentada por tempo de serviço e foi feliz para sempre”.
      Podia esperar tudo na vida, mas nunca que passaria por situação tão difícil: - ficar literalmente sem salário por longo período depois de aposentada.  O governo por desmandos, má administração e corrupções, declarou que o Estado estava “quebrado”  e decidiu  não pagar os salários aos aposentados. Para ele foi fácil como descascar bananas. Se para mim com graduação superior a vida ficou insustentável... Não consigo nem imaginar para aqueles de cargos mais simples.  A minha teia estava arrebentada, o ponto inicial de desfez.  Com as limitações naturais da idade, passou a faltar dinheiro e dignidade na minha vida, mas não pelo fio da teia que dependia de mim nem do programador matemático, simplesmente por causa de distorções de caráter de pessoas que deveriam corresponder aos cargos que ocupavam, e que foram colocados nos respectivos cargos por nós “povo”. Pessoas que confiamos e demos o nosso sim através do voto nas urnas eleitorais.
     Hoje quando me lembro daquela menininha de tranças com oito anos de idade, que pediu ao pai uma mesa grande ladeada por bancos e que achava que o dinheiro era o primeiro ponto da teia, parece que essa história se passou em outra vida.  Hoje, enfatizo, se eu encontrasse aquela criança confiante cheia de fé na vida e que amava a Matemática (com letra maiúscula mesmo!) faria que ela entendesse “matematicamente” que o primeiro ponto da teia não é o dinheiro, é o respeito pelo próximo e o ponto seguinte que é o dinheiro e que o Curso na Escola da Vida é o que mais ensina e há de ensinar a estes desavergonhados e desrespeitosos.
     E pediria a qualquer pai que fizesse uma mesa ladeada de bancos para sentar estes “sem noção” para ensiná-los o dever de casa: - Sem respeitar jamais serão respeitados e sem ordem não poderá haver progresso. E que dignidade vem de berço. Tenho dito!

 

 

 
Poema publicado no livro "Data venia!... E tenho dito!" - Contos - Março de 2018