Andréa Geane Chaves de Mendonça Moraes
Fortaleza / CE

 

Não ter a chance de se construir!

 

          

    

Não era mais uma questão para ele, ser ou não ser humanamente violado, está ou não está conscientemente vivo. Ele apenas sentia-se preso nas profundezas da escuridão, perdido em meio ao desconhecido e já não sabia se desejava voltar. 
Voltar para quê? 
Para quem? Não havia ninguém.
Jonas era um jovem de 26 anos, desajeitado e nada ambicioso que vivia as margens da vida social.  Durante o dia, prestava serviços de assistente "faz tudo" em um escritório de contabilidade, no centro da Capital brasileira. Durante o intervalo do almoço, sua única companhia era a marmita trazida de casa. O cardápio era sempre o mesmo: arroz, batata doce e bife. Depois do almoço, invisivelmente, ele voltava aos seus afazeres e na maioria das vezes, os papeis ou café eram quem eram vistos por seus superiores, praticamente ninguém notava sua presença física.
No final da tarde, Jonas fazia o caminho inverso para onde morava - uma quitinete de quarto e sala no centro da cidade. Naquele ambiente de pouca luz, barulhento e sórdido, ele permanecia horas diante do televisor, ou na maioria das vezes aprisionado no seu videogame da década de 90, o qual, não trazia notícias de corrupção, violência ou entretenimentos vazios que ele os julgavam como uma disseminação midiática e anticultural.
As 22hs, ele já estava dormindo sem muito ânimo para iniciar sua rotina no novo dia. Segunda-feira, terça, quarta, quinta... a vida de Jonas seguiu tudo igual. Mas na sexta-feira, em sua volta para casa, ele decidiu olhar para a ruela que cortava a avenida principal. E nela, avistou um homem idoso sendo agredido com murros e pontapés por jovens bem vestidos.
Jonas sentiu o seu coração acelerar, e também tamanha vontade de correr e socorrer a vítima maltrapilha. Mas de imediato, sua mente o paralisou alertando-o para o real contexto da situação.  Suas pupilas dilataram, seus pelos arrepiaram, seu coração ficou agitado preparando o seu corpo para correr. Porém, antes mesmo de pensar no que fazer, os algozes do desprovido indivíduo o percebeu.
Jonas empalideceu e mais uma vez paralisou, enquanto bruscamente foi violado com bofetadas, socos e chutes pelos playboys agasalhados, bem alimentados e legatários dos embusteiros do planalto. Quando o corpo magro de Jonas já não reagia mais, um dos jovens gritou "chega". Enquanto o outro, ainda enlouquecido pela euforia do momento retirou do bolso um canivete prateado e passou ferozmente sobre a pele pálida do pescoço da vítima.
Após o sangue escorrer manchando o branco daquele corpo que parecia sem vida, os três jovens saíram correndo sem entender o que o ancião pronunciava a eles.
_Data Vénia crianças. Como o devido respeito... tenham Amor ao próximo!
Com muito sacrifício, o senhor também bastante machucado, se aproximou do corpo de Jonas balbuciando algumas palavras. O idoso retirou o cachecol encardido envolto do seu pescoço e lançou sobre o ferimento do rapaz.
_E tenho dito! - exclamou ele -Porque senhor? Até quando essa inversão será acometida sobre os seus? 
O ancião olhava para o firmamento e regressava o olhar lastimoso ao jovem sangrando.
_Até quando sofreremos? Até quando seremos atacados por estes partidários... - Ele suspirou desolado e continuou -Matematicamente, a tua voz... "Ou Pátria Amada" não faz jus aos teus versos cantarolados e aclamado por teus filhos. Pois vivemos dia após dia, omissos diante das barbarias, dos abusos, e presos como criminosos, enquanto os salteadores dominam como majestades em uma terra que a lei é para poucos. Até quando senhor? Quando Tu, os julgarás? Não por mim que estou no final de minha jornada, mas por este jovem que desfalece sem a chance de existir, sem a chance de experimentar o verdadeiro amor, sem a chance de se construir como homem, esposo, pai e avô...
Jonas ainda ali envolto na poça do liquido vermelho que aumentava, sentia apenas o seu sangue correr enfurecido por todo o corpo e ouvia uma ou outra palavra solta que parecia sensatas demais para a boca de quem as pronunciavas. O idoso continuava sua aclamação quando, o jovem sentiu a presença de algo maior. Algo anormal dentro do seu contexto de normalidade. Era uma energia que parecia sugar algo dentro do seu corpo enfraquecido. Ele sentia-se atraído violentamente para a desconhecida de vestes negras que ajoelhava-se diante dele e sem dar-lhe a chance de se libertar, ela o acolhida com a maestrias de uma mãe, com o olhar da fome e a face da morte.

 

 

 
Poema publicado no livro "Data venia!... E tenho dito!" - Contos - Março de 2018