Marina Moreno Leite Gentile
São Paulo / SP

 

 

As lágrimas eram teimosas

 

        

Dois irmãos partiram de Minas Gerais com poucos recursos financeiros,  para tentar a vida em São Paulo.  Eram jovens, então seguir rumo a maior cidade brasileira era realizar um sonho.  Queriam descobrir o que uma cidade grande poderia  oferecer, pois na cidade onde  residiam encontravam dificuldade para progredir.   Eles deixaram a cidade natal com aperto no peito,  pois era  a primeira vez que ficariam distantes da mãe, do pai e dos irmãos.

Onde residiam  eram bem conhecidos,  filhos de uma das famílias mais respeitadas da região.  Como  foram pioneiros em partir de casa, e também não tinham parentes em São Paulo, tiveram que enfrentar tudo sozinhos.    Muitas vezes a tristeza era grande, a ponto de marejar os olhos, pensar em desistir,  mas eram fortes.     Aliás, em diversos momentos de solidão, a fé em  Deus era tudo.    Eles passaram por muitas situações difíceis, mas superaram de forma digna.  Constituíram família, tiveram filhos e netos.

Os dois irmãos emigrantes  residiram juntos  mesmo depois de casados, mas depois que um deles comprara um terreno,  fizera uma casa no Jd. São Luiz,  cada um ficou no seu canto.  O outro irmão continuava morando de favor em um terreno  e infelizmente nesta época  teve um avc grave,  a sua esposa  teria que trabalhar para sustentar a casa.   Assim sendo,  as três crianças do casal teriam que ficar aos cuidados de alguém.  A cunhada  Lourdes gostava muito dos sobrinhos,  se propôs a ficar com eles, enquanto a outra trabalhava fora.  Para os primos tudo era brincadeira.  Faziam tudo juntos, ou seja, comiam juntos,  brincavam juntos, iam para igreja juntos, dormiam juntos,  etc.   Todas as crianças viviam juntas como se fossem irmãos  A Regina era a prima maior, tinha uns dez anos de idade,  era ela quem cuidava do caçula.   Parecia que todos eram irmãos.

Por algum tempo deu certo, mas então certo domingo de manhã  a mãe das crianças,  que trabalhava fora,  chegou na casa da outra e disse que fora  busca-los,   pois elas iriam para outro lugar.  Um dos meninos tinha apenas 1 ano, o outro 5 anos e a maiorzinha 6 anos. Enquanto as duas cunhadas discutiam, a cunhada dona da casa ia retirando as roupas do armário e a outra ia colocando na sacola.  Não havia mochila ou mala, era uma sacola de feira.

Os primos menores não entendiam direito o que acontecia naquele momento.   Mas  as duas primas anfitriãs e a outra ficaram muito  assustadas  e  começaram a chorar. Elas não conseguiam entender o motivo daquele desentendimento,  nem a razão de se separar dos primos.     A prima anfitriã Regina pensava indignada:  como seria possível eles partirem? Era muito apegada aos primos. Por várias vezes ela foi  ao quarto verificar se a sua mãe e a tia teriam encerrado a discussão. Regina ajoelhou em posição de oração, pedindo a Deus para que os primos não partissem.  Em vão, a tia estava decidida a leva-los.   

Chegara o momento da despedida.  A cunhada  dona da casa ficara zangada, emburrada pela partida das crianças hóspedes,  nem respondeu ao cumprimento de despedida da outra.   A Regina  e a Norma  foram  quem  os  acompanhou até o ponto de ônibus, que ficava na Rua 25 do Jd. São Luiz, defronte a  padaria do bairro.   As três primas caminharam silenciosas, pensativas, tristes.   A fila do ônibus era longa,  a viagem também seria.  A prima que iria embora  soluçava  de tanto  chorar.   Então a prima Regina disse:
  - Prima, não chora, porque eu nunca me esquecerei de você, nem dos seus irmãos. E para você ter certeza de que jamais a esquecerei,  quero uma coisa sua.  Quero algo especial.
- O que você quer que eu lhe dê?      Respondeu a outra prima.
Regina havia planejado algo, que seria segredo entre elas.  Então disse:
- Prima,  sem a sua mãe ver,  corte um pedaço de seu cabelo e me dê! Eu trouxe uma tesourinha, mas nossa mãe não pode saber disto.
A mãe  e os meninos pequenos estavam olhando para outro lado,  então a menina levantou os cabelos e a Regina cortou uma mecha pequena  e falou:
- Prima, vou guardar este cabelo e sempre  que estiver com saudade ficarei olhando para ele.    Mas... será que você vai voltar?
A outra respondeu: - Para voltar sozinha ainda sou criança, mas quando eu crescer eu volto.
A mecha de cabelo  e a tesoura foram colocadas no bolso da japona,   pois se a mãe da Regina soubesse disto receberia uma  surra.  As duas se abraçaram forte,  depois foi  a vez da Norma abraçar a prima que estava partindo.  Regina continuava a falar, para confortar a prima que partiria:
 - Prima, um dia nós vamos crescer e poderemos ficar pertinho  uma da outra. Você vai à minha casa e eu na sua.

Neste momento o ônibus chegou.  A prima sentou no canto da janela, com o caçula no colo.  O outro irmão, o Noel, sentou no colo da mãe.  As três meninas não paravam de chorar, agora estavam separadas por um vidro, todo embaçado. Com a mão direita ela fez um movimento circular no vidro, para enxergar melhor as primas que ficavam.  De repente o ônibus estava longe.   Para as primas que ficaram,  restava  voltar para casa,  ainda chorando.   Uma vizinha  alemã,  dona Heedwing,  as  viu ao chegarem no portãozinho  e perguntou:
- Regina e Norma,  que tanto vocês  choram meninas?   As meninas fizeram um resumo do que acabara de acontecer.     
A vizinha então disse para elas: -Um dia sua mãe e sua tia se entendem.  Seus primos então voltarão.   Esperem um pouco que trarei algo para vocês.   
As  balinhas azedinhas,  formato de menino,  eram deliciosas,  mas nem elas conseguiram consolar as duas.   As lágrimas eram teimosas!

 

 
 
Poema publicado no livro "E daí?... Como ficamos?..." - Edição 2019 - Janeiro de 2020