Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ

 

 

O tamanco

 

        

 

        Vezes um vento frio como um ar condicionado, outras um calor abafado insuportável, ora chuvas fortes ora muitos dias de chuvinha fria e intermitente. Inúmeras vezes no meio disso tudo um aconchego. Um colo fofo na temperatura certa, independente das circunstâncias do tempo, com muitos beijinhos calorosos.  Esse tipo de perfil amoroso se define na epifania do amor de mãe.
          Ninguém tem noção da dimensão deste amor e da incondicionalidade dele. É um amor infindável, resistente, sempre atual no tempo e no espaço. Um amor que não se mede nem se controla. Existe e basta.
          Joyce, uma moça inteligente, estudiosa e muito habilidosa. Casou-se e teve um casal de filhos. A partir da gravidez ela sentiu uma reviravolta em seu comportamento. Fez-se uma conexão entre seu espaço sagrado onde o primeiro filho estava se formando e seu templo dentro da alma. Uma ligação do vórtice emocional alimentado pelo cordão umbilical e desde então fez-se a mãe amorosa e nasceu o filho amado.
         Um menino forte sadio e apaixonado por jogar bola. O futebol para aquela criança começou muito cedo, assim que aprendeu a chutar. Tarefa bem difícil para mãe educar de forma comedida para fazer com que ele dividisse o futebol com os estudos.
        A mãe levava o filho ao colégio e à escola de futebol.  E então o time do filho amado foi classificado para o campeonato dos jogos estudantis. O filho amado brilhava nas quadras.
       Um dia, certo dia, teve um jogo decisivo, entre os dois times vencedores disputando a taça de campeão daquele ano. Veio um time da capital, todo orgulhoso e sentindo-se vitorioso. O time do menino amado, embora jogasse muito bem, tremeu nas pernas ao ver aquele grupo de meninos um pouco maiores em tamanho e cheios de si.
        Antes de começar o jogo o técnico do time da capital veio conversar como time da cidadezinha e perguntou: - Quem é o melhor jogador deste time?  E todos apontaram para o filho amado daquela mãe amorosa. Naquela data o filho amado tinha dez anos.
        A mãe amorosa sente uma emoção forte ao ouvir e cantar o Hino Nacional. Times a postos na quadra. Soa o apito e começa o jogo.
        E o filho amado faz um gol aos cinco primeiros minutos de jogo. A mãe amorosa pisa no freio para não ir para a beira da quadra. E então , pula, grita, aplaude e chora de contentamento. Naquela hora vem um jogador que deve ter quatorze anos e empurra o filho amado e ele cai, mas se levanta imediatamente o e jogo continua. A mãe amorosa usa todo tipo de estratégia emocional para não agir pelo instinto maternal e usar o enfoque racional no jogo e pensa: - tomara que aquele menino mau não machuque meu filho amado. Tomara!
        E vem o segundo gol feito pelo filho amado. O placar dois a zero (2x0) para o time da cidadezinha. Uau, que show!!! A mãe amorosa não cabe em si de tanta felicidade ao ouvir a plateia gritando o nome do filho amado.
        O jogo continua. O jogador goleador, o filho amado corre para a bola e antes de alcança-la vem o jogador que já tinha empurrado o filho amado, dá-lhe sem bola, um chute sem dó nem piedade atrás do joelho e o filho amado  cai sem conseguir levantar e chora de dor. O juiz não viu porque ele acompanhava a bola. Mas a mãe amorosa viu e sentindo a dor em parceria, torna-se leoa feroz e ruge agindo apenas pela impulsividade. Imediatamente levanta-se, tira do pé um tamanco de madeira e de salto quadrado, atira-o no menino malvado. O tamanco pega no pé do menino mal que senta gritando de dor.
        O filho amado contundido é substituído porque não consegue ficar de pé. E o menino mal vai para o banco mancando.
        Final do jogo: - placar quatro a zero (4x0) para o time do filho amado - Campeões do Campeonato Estudantil do Estado naquele ano.
       Terminou o jogo, entrega de faixa, troféu, medalhas, fotos e aplausos. A cidadezinha festeja a vitória.
       Quadra silenciosa, vazia. Todos saíram. Curioso que uma mãe estava descalça e num canto da quadra o vigia recolhe um pé de tamanco.
       Ninguém ficou sabendo quem atirou o tamanco na quadra, porém a mãe amorosa foi proibida de assistir os jogos em que o filho amado estivesse jogando e o filho amado ficou com apelido “Amado tamanco”.
      Todos nós temos mãe amorosa e toda mãe tem um filho amado. E se mexer com um ou com outro é provocação ou procurar briga: - É melhor poupar desgaste. Não é uma postura ambígua, mas divide opiniões. É impossível amiudar o sentimento que flui vida e amor através do cordão umbilical.
      - E daí? Como ficamos?

 

  

 

 

 
 
Poema publicado no livro "E daí?... Como ficamos?..." - Edição 2019 - Janeiro de 2020