Romilton Batista de Oliveira
Itabuna / BA

 

 

História de um corpo inlocalizável

 

        

 

Meu corpo é corpo meu
Corporalmente múltiplo em sua tradução
Meu corpo é moinho por ilusões e divagações…
Ele é ao mesmo tempo lugar de histórias e de insinuações
Mas é nele que eu apoio-me quando quero sair de cena...
Meu corpo é morte, morte que não morre… apenas sangra.
É renúncia, é cansaço, é rebeldia, é distorção
Que vibra com grande incerteza em suas dobras movimentais.
Meu corpo é vida, vida que luta contra si
Neste desespero de ser o que o outro nos impõe…
Na medida exata de medidas inexatas…
O que somos nada mais é do que
Uma conversa infinita mediada por sombras
Sobras, rastros, restos e resquícios de momentos
Que foram levados por águas atlânticas lusitanas
Meu corpo é meu
E nele eu consigo habitar, morar, sobreviver
E dar voltas que celebram a libertação de "nós" amarrados
Por nossa alucinada imaginação...
E o corpo não se faz fora deste mover imaginário
Que atormenta nossas ideologizações...
Corpo meu, vasto lugar de enunciações
Que dá a mim a certeza de que nada está seguro
De que tudo está em construção
Tudo está em estado de liquefação
Eis o meu corpo: exposto, preso por construções historicizantes
Movido por uma potência impotente
De ser e estar sempre em estado de transformação,
E um dia sei que estarei mudo,
Interpelado pela poesia do devir
Anunciada por uma narrativa dita num não dito indizível, inlocalizável
Que dá ao meu corpo passaporte da não-identidade
O pertencer a um estado desligado de um seguro lugar
Corpo meu, corpo solto, corpo aprisionado,
Corpo que envelhece dentro de uma rejuvenescência recalcada...
Eis enfim o corpo meu, o meu não-corpo
O corpo não-meu sendo meu,
Corpo meu, dito em verso dominado por um instante intenso e profundo
Movido por um "malmequer que bem-me-quer" de uma história que nele habita
Um corpo que grita, protesta, discursa, contrasta, medita e cansa…
E não se contenta nunca de estar contente
Porque ele é feito de vozes que se silenciam em seu dever não-cumprido
Este é o corpo, feito de um só personagem que reverbera em forma de verso
Para denunciar o mal uso da máquina que oprime dentro de sua própria "casa"
Que habita intrinsecamente no interior deste corpo que se personifica:
Discreto, tímido, singular, ameaçador, envolvente, movente…
Escravizado por outros corpos que em si habita
Corpos distraídos, desfeitos, nus…

  

 

 

 
 
Poema publicado no livro "E daí?... Como ficamos?..." - Edição 2019 - Janeiro de 2020