Edson dos Santos
Porto Alegre

 

Foi muito difícil sobreviver...

 

 

         Dia triste, enegrecido pela fumaça num movimento estonteante. Um grito soa aos meus ouvidos... Corram todos! Eis que um grande pássaro de aço surge além do horizonte, vomitando homens em seus paraquedas e uma grande chuva de fogo cobre todo azul do céu. Azul? E quem consegue ver o azul num dia tão esquisito desse, e coberto de fumaça?  Ah! Mas que indelicadeza...
         Gente correndo sem roupa, despindo-se, morrendo nua... Crianças que choram pela perda de seus pais, mulheres chorando pelas suas viuvezes com os rostos em terra,  tão pobres mulheres... 
         Estive por três dias deitado numa vala juntamente com quatro corpos que haviam morrido naquela emboscada. As minhas narinas não mais suportavam. Mas eu não... Eu tinha que suportar aquele cheiro terrível, sem contar com a fome que dilacerava meu ventre ressecado pela sede que me atormentava.  Eu olhava grandes abutres que repousavam sobre os cadáveres, cujo cheiro se fazia peçonha em meu nariz. Ah! Foram dias terríveis. Como eu sofri! 
         E, quando as minhas esperanças já estavam aos poucos se acabando, surgiu no céu uma grande luz no meio da madrugada. Era um grande pássaro de aço.  Uma equipe de resgate acabara de chegar juntando corpos e os jogando amontoados para uma grande carnificina humana.  Eu não tinha forças para me levantar... A fome, a sede e a dor me atormentavam completamente e eu resistindo a tudo aquilo calado.  
         Foi quando, de repente, eu ouvi um grande grito. “Venham, corram até aqui. Há um homem vivo junto a quatro corpos em decomposição.” Pegaram-me e me colocaram numa maca; levaram-me até o grande pássaro de aço gigante.   E depois de quarenta dias eu fui levado para minha casa onde eu esperava encontrar a minha esposa e meu filhinho de apenas seis meses... Mas eu nem imaginava que eles haviam sido mortos. Uma grande bomba havia sido jogada sobre meu telhado naquele dia, destruindo o resto de minha vida, o que sobrara daquele ataque tão violento.  
         Hoje eu vivo numa cadeira de rodas, pois eu fora atingido por um projetil de grosso calibre. Triste, mas tenho tanta coisa para contar daqueles dias tão angustiantes e infernais onde muitos amigos serviram de alimento para os abutres e o campo de trigo foi totalmente evaporado numa fumaça que cobriu todo o céu durante muitos dias.

 





Conto publicado no "Livro de Ouro Contos "- Edição 2021 - Outubro de 2021

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