Cláudio Carvalho Fernandes
Teresina / PI

 

 

Quem conta um ponto aumenta um conto

                

       

       

Clóvis chegou a pensar que era/seria um deles. Enganara-se, com certeza. Com muita, toda certeza, enganara-se. E haja certeza em meio a esse caos infinito redefinidor de relações, instáveis ou mesmo de certeza. Apesar de ter um muito parecido modo de vida, os privilégios iguais (os mesmos direitos), a relativamente boa condição social e semelhante “modus faciendi”, aos poucos, ou aos muitos, foi percebendo que havia alguma coisa estranha, esquisita, entre ele e os demais participantes do clube Itamaracá, um grupo de pessoas seletas da sociedade local, na cidade de Timbaúba, agremiação aquela atuante nos aspectos social, desportivo, recreativo e cultural e de outras naturezas diversas que ele passou a frequentar, esperando melhorias recíprocas.
Também fazia parte da importantíssima União Filantrópica das Pessoas Importantes, que gerenciava ações de apoio aos menos assistidos em todo o estado do Rio Grande de Janeiro, ilha ao largo da costa brasZileira  entre a Bahia (de Todos os Santos) e o Espírito Santo. Mas de que adiantava tudo isso, se nunca estavam satisfeitos com ele? Julgava que as pessoas esperavam mais de um simples diletante eventual, como ele mesmo se definia.
O mundo, pobre mundo, no entanto, não o compreendia. Ele, que fora talhado para grandes cousas e maiores causas, reduzira-se à parcialidade com que o viam no cotidiano frugal, alimento de diferentes fomes m-esmas, cada qual mais grotesca, embora travestidas de bom gourmet. E la nave va... para mundos dantes sempre repetidos, exalando o doce perfume das carniças dietéticas contra o torcer de um nariz não-sério, desseria(liza)do, a-penas camonizado drummondianamente. Mas desde que o mundo é mando, a melhor rima de grupo é gripe e esta se espalha, imperceptível, sorrateira, à traição, dissimulada, até mesmo nos melhores ares londrinos. O umbigo (e as costas!! E os narizes pinoquianos!!!) timbaubense(s) que o diga(m)!!!!
Desde muito, pouco a pouco percebera que a União Filantrópica e o grupo Itamaracá respondiam mais a uma ordem meramente formal das coisas incontinêntis, desarvoradas, sem lastro nem mastro, sem apoio radical na realidade nem melhor serventia que apenas existir por existir, uma pedra-perda que o tempo, cedo ou tarde, desgastaria. E nada de preciosidade: só um objeto-ser (ou um ser-objeto, abjeto?), em degradação, pulsando ondas deletérias de instabilidade à vida plena, apenas contida pela morte, que agora resolvera invadir até mesmo o único bem, refúgio dos sem-o-que-quer-que-seja.
Sentia-se um peixe fora d’água ou, pior:  já na fome dos tubarões, os senhores da vinda e da ida, que faziam, fazem dos mares latifúndios do nada, dos seus quereres de espécie, territórios demarcados para o seu alimento e terror, conjugados em cardumes. Não, definitivamente, não iria com eles. Lera José Régio e Eroschenko, autores canônicos universais, mesmo abandonando-os (dizia, meio cinicamente, que os ultrapassara, porque ainda estava vivo) 3 vezes ao dia. Sabia cantar o Himno Nescional de cor (branca, "branquinha", branquíssima...) e (as)salteado (salto alto?), mesmo achando-o quase que completamente inútil, só para discutir consigo mesmo, além das "funções monológicas da linguagem", sobre a absoluta relatividade da beleza, cão infiel. Admirara muito mestre Azevedo Sales, que jogava capoeira bonito como ninguém, apesar de manco de uma das pernas (a esquerda, sempre ela, parece). Um nativo autêntico e simples, gente direita, gente de bem, que fazia sucesso até entre os gringos, ansiosos por "esp'ritos" abertos, bem abertos, muito bem abertos...
Não podia mais continuar assim, um pária entre "seus" pares. Iria provar que se pode mudar lentamente ou de uma hora para outra, no segundo diminuto, basta estar vivo.
Mandou o clube Itamaracá para lá... e a União Filantrópica das Pessoas Importantes para a pauta que a pariu, com todos os seus filhotes (da  mal  dita'branda'). Que grande canalha! Mas... qual?

 

 
 
Publicado no Livro "É tão verdade que ninguém duvida..." - Edição 2019 - Junho de 2019