Zé Olavo Balthazar
Rio de Janeiro / RJ

 

 

Aquele sorriso

                

 

Eu nunca me disse ateu, mesmo porque desconheço qualquer argumento sólido o bastante para comprovar a inexistência de um Deus ou qualquer outro tipo de divindade. Por causa disso sempre reagi com certa indiferença aos relatos sobre aparição de espíritos ou ação de entes sejam eles superiores ou não. Ouço com a atenção das pessoas educadas, mas só ouço, não discuto. Ou melhor... não discutia.
Minha mãe era evangélica, porém, nem por isso usava dessa desculpa para não comparecer às missas de sétimo dia de amigos e parentes, cerimônia tipicamente católica. E eu, desde jovem, era sua companhia constante nessas ocasiões, já que papai, este sim, era declaradamente ateu e não ia a templos, igrejas, terreiros...
A missa de mês de Seu Manduquinha, um vizinho muito querido, merecia que mesmo sem fé eu fosse para abraçar a viúva e os filhos, todos  amigos de infância. Nessa ocasião eu já tinha meus 45 anos e como médico acompanhei os últimos dias do meu “pipoqueiro preferido”.
Na igreja de Santa Rita, à direita do púlpito, uma imagem de Nossa Senhora das Graças de mais de metro de altura sempre chamou minha atenção pela beleza, obra certamente de um grande escultor. Os olhos da imagem, numa expressão incrível de candura, foram esculpidos propositalmente para se dirigirem ao centro da plateia. Seu olhar era impressionante.
Naquele dia eu estava sentado no primeiro banco à esquerda, ao lado de mamãe que preferiu ficar ali, no mesmo banco, ao lado da viúva, sua amiga de longa data.
Dali, onde eu estava, não dava para ver os olhos da Santa, embora estivéssemos a pouco mais de dois metros de distância.
Na hora da Eucaristia, quando os fiéis parecem mais concentrados, voltados para dentro de si em prece, eu fiquei olhando para a Santa, admirando aquela obra de arte, o detalhe das suas mãos... dos seus pés...  quando ao levantar os olhos na direção do seu rosto, o rosto de Nossa Senhora, inexplicavelmente, estava voltado para mim com seus olhos dirigidos diretamente a mim, numa expressão de tamanha doçura que eu fiquei inerte, sem ação alguma, apaixonadamente assustado.
Fechei os olhos e ao abri-los, novamente, ela estava na sua posição original. Não entendi, pensei ter sido uma pequena alucinação, talvez provocada pela emoção daquele momento. Só que, logo a seguir, novamente seu rosto se voltou para mim. Mas ninguém na plateia – ninguém - notou. Ela olhava diretamente para mim mas só eu via isso.  Eu estava lúcido. Sabia que estava lúcido. Isso tudo durou mais ou menos uns cinco minutos, não mais do que isso. Durou até que Padre Francisco ordenasse com sua voz grave “Ide todos na paz do Senhor!”
Eu olhei pra ela de novo e, juro, naquele momento, viseus lábios docificando o mais belo sorriso que já vi no rosto de uma mulher.  Eu vi.

 

 


 
 
Publicado no Livro "É tão verdade que ninguém duvida..." - Edição 2019 - Junho de 2019