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O
pecado da professora
Pequenina, mirradinha e quieta. Foi assim
que me rotularam quando eu era criança.
Uma vez, uma das freguesas que sempre comprava lá no sítio,
chegou e antes de fazer as compras de costume, perguntou ao meu pai:
- cadê aquela menininha de olhos grandes e tímida? Eu trouxe
uns livros de história e queria entregar a ela. Escutei a voz
do meu pai chamando e atendi rapidamente. Uma época em que os
pais, pelo menos os meus, tratavam as crianças com rispidez e
autoridade e sempre corrigindo com castigos. – Como é seu
nome? _ Rosinha, falei olhando nos olhos daquela mulher alta, elegante
e que tinha um sotaque difícil de entender, era francesa. –
Sabe ler? – Sei sim, senhora. _ Então aproveita e lê
esses livros, eram dos meus filhos. Meu coração batia
tão forte que parecia que queria saltar pela boca. Estiquei as
mãozinhas e peguei a sacola, acho que foi a primeira vez que
recebia um presente. – Muito obrigada. Sai carregando a sacola
e sentei-me à sombra do abacateiro. Tinha quinze livros de histórias
infantil, coloridos e lindos! Estavam como se fossem novinhos. Começou
aí a minha entrada no mundo dos livros. Eu tinha cinco anos e
lia muito bem, aprendi sozinha. Só poderia ir para escola com
sete anos. Lia e copiava as palavras difíceis para depois perguntar
a alguém. Passei a conviver com príncipes, rainhas boas
e más e as fadas. Até hoje tenho uma fada só para
mim, está sempre me salvando e realizando meus desejos.
Quando cheguei à escola fiquei um mês na 1ª série
e fui passada para segunda série, e no meio do ano para terceira
série.
A professora da terceira série era jovem, achei-a simpática,
bonita, mas estava sempre de cara feia, gritava muito, dava reguadas.
Tanta coisa desnecessária! No segundo dia de aula na terceira
série, a dona Nonoca entrou, colocou as coisas dela sobre a mesa
e foi para o quadro e escreveu: “ REDAÇÃO 15 linhas”.
Pegou a régua e bateu com toda força na mesa. Estremeci.
– Quero a redação pronta até a hora do recreio,
quem acabar põe o caderno aberto na minha mesa e copia a lição
da página trinta e cinco do livro de leitura. E continuou: não
quero ouvir um pio, estou corrigindo as provas. Eu nunca tinha ouvido
a palavra - redação - nem sabia como começar. Fui
até à professora, quando ela me viu levantou a régua,
dei meia volta e voltei para carteira. Fiz a cópia. Bateu o sino
para recreio e ela: - “Quem acabou o dever pode ir”. Saiu
todo mundo.
_ Menina, traz aqui seu caderno. Por que não fez a redação?
– Eu não sei o que é redação a senhora
não explicou. – Além de preguiçosa é
respondona. Você tá pensando só porque é
um geniozinho pode me desobedecer? Tome! Levei uma boa reguada no braço,
que ficou uma mancha roxa. Segurei o choro. Ela pegou meu caderno e
escreveu em duas linhas: “Desobedecer à professora é
pecado. Devo fazer o que a professora manda”. Copia essas duas
frases duzentas vezes. Pode começar e só sairá
daqui hoje a hora em que acabar de escrever as frases. Não pude
merendar nem ir ao banheiro. Meus dedinhos doíam muito, quando
tocou sinal para saída só tinha escrito cento e setenta
vezes. A professora foi embora e a inspetora ficou me vigiando com a
ordem de só me deixar sair quando acabasse. Terminei, entreguei
o caderno e ela deu-me um tapão na cabeça: - É
pecado também fazer a inspetora perder o ônibus. Meu irmão
mais velho estava me esperando e quando cheguei a casa, mais castigo
porque desobedeci à professora.
Não ficou para mim um trauma muito grande porque relacionei aquela
professora como a madrasta da Gata Borralheira e no final ela ia se
dar mal sem eu precisar fazer nada. E como eu não era má,
nem tinha culpa eu acabaria melhor do que ela.
Li e reli as histórias dos livros que ganhei daquela senhora,
e foram muito importantes na minha formação para vencer
os medos, as dificuldades de ser criança, quantas vezes me travesti
daqueles seres para ser forte e ter coragem diante das perdas, das carências
e da solidão na incompreensão dos adultos.
Depois desse fato eu continuei a escrever, escrever muito só
para mim, tinha receio de mostrar meu pensamento, medo de falar, medo
de me expor, enfim... Medo de pecar... mas muita vontade de escrever.
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