Conto publicado no Livro "Era uma vez..." - Contos selecionados - Janeiro de 2013



 

Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ

O pecado da professora

 

Pequenina, mirradinha e quieta. Foi assim que me rotularam quando eu era criança.
Uma vez, uma das freguesas que sempre comprava lá no sítio, chegou e antes de fazer as compras de costume, perguntou ao meu pai: - cadê aquela menininha de olhos grandes e tímida? Eu trouxe uns livros de história e queria entregar a ela. Escutei a voz do meu pai chamando e atendi rapidamente. Uma época em que os pais, pelo menos os meus, tratavam as crianças com rispidez e autoridade e sempre corrigindo com castigos. – Como é seu nome? _ Rosinha, falei olhando nos olhos daquela mulher alta, elegante e que tinha um sotaque difícil de entender, era francesa. – Sabe ler? – Sei sim, senhora. _ Então aproveita e lê esses livros, eram dos meus filhos. Meu coração batia tão forte que parecia que queria saltar pela boca. Estiquei as mãozinhas e peguei a sacola, acho que foi a primeira vez que recebia um presente. – Muito obrigada. Sai carregando a sacola e sentei-me à sombra do abacateiro. Tinha quinze livros de histórias infantil, coloridos e lindos! Estavam como se fossem novinhos. Começou aí a minha entrada no mundo dos livros. Eu tinha cinco anos e lia muito bem, aprendi sozinha. Só poderia ir para escola com sete anos. Lia e copiava as palavras difíceis para depois perguntar a alguém. Passei a conviver com príncipes, rainhas boas e más e as fadas. Até hoje tenho uma fada só para mim, está sempre me salvando e realizando meus desejos.
Quando cheguei à escola fiquei um mês na 1ª série e fui passada para segunda série, e no meio do ano para terceira série.
A professora da terceira série era jovem, achei-a simpática, bonita, mas estava sempre de cara feia, gritava muito, dava reguadas. Tanta coisa desnecessária! No segundo dia de aula na terceira série, a dona Nonoca entrou, colocou as coisas dela sobre a mesa e foi para o quadro e escreveu: “ REDAÇÃO 15 linhas”. Pegou a régua e bateu com toda força na mesa. Estremeci. – Quero a redação pronta até a hora do recreio, quem acabar põe o caderno aberto na minha mesa e copia a lição da página trinta e cinco do livro de leitura. E continuou: não quero ouvir um pio, estou corrigindo as provas. Eu nunca tinha ouvido a palavra - redação - nem sabia como começar. Fui até à professora, quando ela me viu levantou a régua, dei meia volta e voltei para carteira. Fiz a cópia. Bateu o sino para recreio e ela: - “Quem acabou o dever pode ir”. Saiu todo mundo.
_ Menina, traz aqui seu caderno. Por que não fez a redação? – Eu não sei o que é redação a senhora não explicou. – Além de preguiçosa é respondona. Você tá pensando só porque é um geniozinho pode me desobedecer? Tome! Levei uma boa reguada no braço, que ficou uma mancha roxa. Segurei o choro. Ela pegou meu caderno e escreveu em duas linhas: “Desobedecer à professora é pecado. Devo fazer o que a professora manda”. Copia essas duas frases duzentas vezes. Pode começar e só sairá daqui hoje a hora em que acabar de escrever as frases. Não pude merendar nem ir ao banheiro. Meus dedinhos doíam muito, quando tocou sinal para saída só tinha escrito cento e setenta vezes. A professora foi embora e a inspetora ficou me vigiando com a ordem de só me deixar sair quando acabasse. Terminei, entreguei o caderno e ela deu-me um tapão na cabeça: - É pecado também fazer a inspetora perder o ônibus. Meu irmão mais velho estava me esperando e quando cheguei a casa, mais castigo porque desobedeci à professora.
Não ficou para mim um trauma muito grande porque relacionei aquela professora como a madrasta da Gata Borralheira e no final ela ia se dar mal sem eu precisar fazer nada. E como eu não era má, nem tinha culpa eu acabaria melhor do que ela.
Li e reli as histórias dos livros que ganhei daquela senhora, e foram muito importantes na minha formação para vencer os medos, as dificuldades de ser criança, quantas vezes me travesti daqueles seres para ser forte e ter coragem diante das perdas, das carências e da solidão na incompreensão dos adultos.
Depois desse fato eu continuei a escrever, escrever muito só para mim, tinha receio de mostrar meu pensamento, medo de falar, medo de me expor, enfim... Medo de pecar... mas muita vontade de escrever.



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