Néri França Fornari Bocchese
Pato Branco / PR

 

 

Quem pode acreditar!?



Faz tempo, há mais de um século, nascia uma menina que seria a princezinha de uma família bem constituída. Era o ano de 1903, num lar de 5 irmãos homens, de repente a presença de uma mulher.
Sempre foi muito bonita e charmosa. Criada com todos os mimos. Nunca faltou carinho. Estudou o que era possível naqueles tempos, numa cidadezinha do interior do Rio Grande do Sul. Preparou-se para ser professora como fora a sua mãe. Ela, que ia a cavalo do lugar em que morava, para dar aulas em outro município, todos os dias. Eram tempos tão diferentes dos de hoje, mas com os seus encantos e suas conquistas.
Como toda a donzela do seu tempo, casou-se muito cedo. O moço era escrivão num povoado que começava a se formar distante alguns qulômetros da sua cidade natal. Era ele, o filho mais velho de um fazendeiro, dono de uma Sesmaria, doada ainda pelo Imperador do Brasil. Mulher bonita, charmosa, dona de casa, como todas as de sua época, continuou a lecionar. Não pela necessidade econômica, mas pela necessidade de professoras.
A sala de aula era na própria casa da mestre. Eram o casal, senhores do lugar. Escrivão, Delegado, até Juiz, ele foi. Dizem alguns que era muito ciumento. Como filho de fazendeiros, também muito autoritário. Um homem bem apessoado sempre impecável na sua postura e no vestir-se. A moça bonita, a filha querida, começou a enfrentar situações diversas. Casada, professora, ajudar no trabalho do Cartório, e um filho por ano. Os percalços físicos e emocionais foram acontecendo. Jovenzinha ainda, sem o amparo da sua família, pois casou-se e era preciso conviver com o marido e com a família deste. Embora um dos seus irmãos tivesse um automóvel, um luxo para a época e vinha frequentemente visitá-la, mantendo assim um convívio mais de perto. Esse automóvel servia também de táxi. Não tendo mais a mãe e o pai para o carinho diário e, os aconchegos de uma menina mimada. Acostumada a ter tudo o que queria.
Com menos de sete anos de casada, já estava esperando o quinto filho. Não há organismo feminino que aguente tanto desgaste. Ainda mais com tantas funções exercidas pela mesma mulher. As festas e as férias eram passadas no campo, em Soledade, na casa dos pais dele. Onde na grande fazenda havia até a casa da Escola, para os filhos aprenderem a ler e escrever. Como gente de bem, os filhos dos peões também podiam estudar. Eram 15 filhos e mais uns três que foram levados juntos no casamento e, tinham os mesmos direitos dos filhos do casal. O professor morava na fazenda e, recebia para ministrar as suas aulas e ainda as acomodações para a sua família na casa da Escola, assim chamada, na parte de cima ficavam os quartos dos rapazes. Os peões tinham as suas casas em volta da casa grande. Na cozinha, enorme onde todos faziam as refeições, cada um tinha uma guampa, pendurada na parede e toda a manhã era enchida de leite, que coalhado era degustado após o almoço com marmelada, uma sobremesa a qual apreciavam muito.
Nos dias de marcações, era uma festa só. Reuniam-se todos os da família e os amigos mais chegados. E, o gado era trazido da invernada para ser marcado com ferro quente. A letra do nome do fazendeiro marcava o couro do animal . Era uma espécie de certidão de propriedade.
Numa dessas festas a senhoria e seus quatro filhos nascidos ficaram uma temporada no campo. A filha mais velha contava que ouviu a mãe dizer: - Tenho muita pena de vocês! Vocês vão sofrer. Mas, muito criança com menos de anos anos não entendeu o recado. Depois de um tempo voltaram para casa. Precisava vir atender o marido que não podia se ausentar por causa das suas funções de Escrivão.
Talvez essa ausência prolongada tenha sido para tentar dar um tempo e reconstituir o bom relacionamento.
Na casa para servir o senhor havia ficado a empregada. Além da casa havia os animais domésticos. Todos tinham cavalos. Eram eles, o meio de transporte e o animal de carga. Ainda as vacas de leite, que eram ordenhadas todo o dia, e do leite feito o queijo. As galinhas, os ovos, para serem recolhidos.
Sempre uns cabritos e ovelhas e ainda porcos no chiqueiro para serem carneados e transformados em banha, salame e carne. Fazia-se o charque em casa e as crianças eram encarregadas de cuidar para as moscas não sentarem e nem os gatos virem se associarem no petisco.
Então alguém precisava fazer esse serviço diariamente. Além das refeições a serem preparadas. Quando a senhora, dona da casa chegou na sua residência, logo de inicio viu e sentiu que alguma coisa diferente estava acontecendo.
Mas foi acomodando os filhos todos pequenos, a menorzinha com quatro meses de idade. Quando ela foi ao seu quarto encontrou os vestígios das noite amorosas de seu marido. Devem ter discutido com bastante clamor.
Era também um tempo em que todo o senhor que se prezasse tinha um cavalo e um revólver. Não se sabe se foi no mesmo dia em que de Aranha, uma carroça sofisticada, usada para os passeios e viagens da família, quando ela voltou do Campo com os filhos pequenos ou no dia seguinte. Não aguentando a humilhação e, esgotada por mais uma gravidez, se deu um tiro na orelha com o próprio revolver do Digno Senhor. Como a bala pegou de raspão, não morreu na hora.
Talvez o tiro não tenha sido muito certeiro, ou o amor de mãe deve ter falado mais alto.
Ficou ela agonizando por dois dias. Deu tempo de irem buscar um médico na cidade vizinha, um pouco distante.
Também conseguiram a presença de um padre que lhe deu absolvição. Por isso ela pode ser sepultada no cemitério da pequenina localidade. Naquela época quem se matava não tinha direito ao perdão da Igreja e nem podia ter permissão para ser sepultada no Campo Santo. Mesmo que fosse a esposa do grande Senhor.
Uma história real como tantas outras que aconteceram e ainda acontecem por ai, que deixou tristes lembranças. Desse relacionamento nasceu uma menina. Mas irmãs não a aceitaram, nem quando o papai, assim como elas o chamavam, estava muito doente.
E, a família, passados quase 100 anos do triste acontecimento, ainda carrega as marcas. Principalmente as espirituais, não podemos esquecer que para toda a ação existe uma reação. É uma Lei da Física. Foi preciso remediar os fatos vivenciados num pequeno povoado, onde o Senhor era a Autoridade máxima e a esposa cometeu um desatino.
- Foi ela quem se suicidou e deixou os filhos pequenos para o pobre homem criar sozinho.
Julgada assim pelos habitantes da pequenina localidade, como uma mãe sem coração, que não pensou nos filhos, que precisavam do seu carinho e, do seu exemplo e daquele que estava para nascer.
Uma triste história, a qual bem poderia ser apenas ficção e não um fato verídico.

 




Conto publicado no livro "Fato ou ficção?" - Contos selecionados
Edição Especial - Setembro de 2020

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