José de Sousa Magalhães
Pìracuruca / PI

 

 

Pela janela

 

 



Isabel olha todo dia pela janela da sacada de seu apartamento. É um ritual que iniciou desde que seu novo vizinho, Russel, se mudou para o apartamento do lado. Pode parecer uma coisa boba, mas admirar um garoto bonito quando se tem apenas 16 anos é uma coisa apaixonante, como ela mesmo fala.
A pequena Isabel é uma garota comum como outra qualquer, está na escola, cursando 2º ano, estudando para provas dificílimas; toca piano perfeitamente bem, além de falar fluentemente francês; quanto ao aspecto físico, possui cabelos ruivos encaracolados, olhos castanhos e uma pele clara. Talvez eu não tenha mencionado, mas ela perdeu o movimento das pernas em um acidente de carro quando tinha apenas seis anos.
Bom, esse é o principal motivo pelo qual Isabel não sai de seu apartamento e procura falar com sua paixão platônica. Além de não desejar que ninguém a veja dessa forma, ela simplesmente tem receio que seu amado não queira nem falar com ela.
Deixando um pouco Isabel de lado, falemos de Russel. Não se sabe muito do jovem rapaz que se mudou recentemente. Chegou na cidade pouco mais de um mês, não costuma sair muito e sempre que é visto pela sacada de seu apartamento, está sempre com um olhar cabisbaixo. O garoto que aparenta ter uns 18 ou 19 anos, é bastante misterioso.
Certo dia, Isabel olhando para janela de Russel, observa que ele estava chorando, então deixando a timidez e sua autoinferioridade de lado, resolve se comunicar com ele. Ela escreve em uma folha “- Por que está chorando?”, ele simplesmente olha e sai fechando a janela em seguida.
Isabel ficou chateada com a reação do jovem rapaz, contudo, intrigou-a o fato de o garoto estar chorando. O que poderia ter acontecido com ele? Chorar era um fato comum a Isabel devido sua condição, vista por ela como uma praga jogada sobre ela, por isso, nem ligou pela reação pouco respeitosa de Russel.
No dia seguinte, lá estava o jovem rapaz chorando novamente. Imaginando que se ela escrevesse algo ele iria se afastar novamente, ela lhe joga uma pedra na cabeça, acertando-o em cheio. Russel sai da janela, mas não a fecha, e para surpresa de Isabel, ele escreve em uma folha “— Você é louca?”. Isabel sorri.
“— Só assim para você me responder! Se eu só escrevo você fecha a janela e vai embora”, responde Isabel com duas folhas.
“— Não tenho interesse em falar porque choro.” -  Responde ele.
“— Eu sei como é. Choro com frequência, mas não costumo falar a ninguém.”
“— Então, por que insiste?” - Continua o garoto.
Isabel dá um suspiro e responde: “— Porque também sei o quanto dói não compartilhar com ninguém.”. Após, ela fecha a janela e vai embora.
No dia seguinte, Russel joga uma pedra na janela de Isabel e quando ela sai ele escreve: “— Gosta de música?” Isabel sorri e responde: “— Muito! Toco piano.” “— Uau!”.
A partir daí, uma grande conversa se iniciou, uma conversa que durou muitos dias. Diversos assuntos eram colocados em pauta, música, cinema, hobbys, esportes e até literatura portuguesa era discutida. Era tanto assunto que diversas resmas de papel já tinham ido embora.
Muitos dias se passaram desde que os dois jovens iniciaram suas conversas por papeis na janela. Nunca tocaram no assunto de ambos chorarem, as conversas eram tão divertidas que não havia tempo para tristeza. Até que um dia, Russel escreveu: “— Queria muito lhe ver um dia pessoalmente!” e abaixou a cabeça escrevendo. Quando olha para cima, para mostrar sua outra frase, uma mensagem de Isabel dizia: “— Mas eu não posso!”, a mensagem de Russel dizia a mesma coisa.
Por algum motivo, alguma coisa impedia os dois de saírem. Como já falei aqui, a autoinferioridade provocada por Isabel devido a sua deficiência a impedia de sair. Mas o que fazia com que Russel não saísse? Dessa forma, Isabel escreveu: “— Você não ia gostar de mim.”. Russel responde: “— Tenho certeza que sim. Mas você que não iria gostar de mim.” Após um profundo tempo sem escreverem, Russel resolve sair, mas Isabel a impede, jogando uma pedra nele.
“— Você é louca?” - Disse Russel como na primeira vez.
“— Sim! Mas por você!” Após mais uma parada sem escrever ela completa: “— Tão louca que vou sair agora para lhe ver!” Após feito isso, ela fecha a janela e sai. Russel achou bastante injusto apenas Isabel sair. Não passava pela cabeça dele o que ela tinha, mas pela forma de escrever, sabia que ela havia rompido uma grande barreira psicológica por ele, então, Russel resolve fazer o mesmo.
Quando os dois descem, uma cena no mínimo mágica foi vista. Isabel desceu pela rampa em sua cadeira de rodas para ver Russel. Para surpresa de Isabel, o jovem rapaz também estava em uma cadeira de rodas. Russel demonstrou a mesma surpresa, não conseguia imaginar que a jovem garota com o qual esteve conversando por tanto tempo, vivenciava uma situação semelhante a sua.
Abrindo parênteses, pois agora podemos falar, Russel mudou-se recentemente para o apartamento ao lado de Isabel, devido a um acidente aéreo que sofreu há pouco mais de dois meses. Neste acidente que o deixou sem o movimento das pernas, também faleceu seu pai. A mudança foi devido ao fato de a mão do garoto, desejar reconstruir sua vida longe da antiga, onde só lhe trazia lembranças ruins.
Voltando a cena mágica, Isabel e Russel se olharam por alguns instantes e se aproximaram com um misto de sorriso e lágrimas em ambos os rostos. Era uma tarde, quase pôr do sol, o céu estava com as nuvens amarelas e fazia aquele friozinho de fim de trde. A primeira frase que um falou para o outro, foi dita por ambos no mesmo tom de voz:
— Por que está chorando?
Após isso, os dois só sorriem!

 


 




Conto publicado no livro "Contos de Grandes Autores"
Edição Especial - Maio de 2021

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