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Wagner Dias de Souza
Rio de Janeiro / RJ

 

  Soneto da vida - versão beta

   

Bem-vinda manhã que se inicia outra vez
breve alegria transforma minha pálida tez
languidez arrefece essa ligeira euforia
devolve a tristeza que minha vida esfria

tristeza desanima permanecer nesta lida
lidar com gente que magoa e tortura
apaixonado coração prenhe de ternura
tirando-me o chão, descolorindo minha vida

infeliz existência que abala meu equilíbrio
não tendo onde pisar a não ser o imenso vão
sem ter no que acreditar, executar meu arbítrio

deixar de amar a quem insiste em me magoar
Não peço perdão por desta vida me afastar
mas peço que compreendam o meu coração.


Após escrever seu derradeiro poema, Reginaldo ingere uma dose de estricnina e, aos poucos, apaga. Jovem escritor de apenas 25 anos, classe média alta, vivia num confortável apartamento localizado num bairro nobre da Zona sul carioca. Ao contrário de sua mãe Eulália, com quem vivia, Reginaldo tinha uma visão prática da vida. Não acreditava em nada além do que era visível. Não era adepto a religião. Acredita que podia decidir quando dar fim à própria vida. E foi aí que ele se enganou.
Horas após desfalecido, Reginaldo se percebe numa situação inusitada: deitado dentro de um caixão, sem poder se mover. Ele despertou no final do próprio velório. Ouve o pequeno burburinho dos presentes, mas não consegue abrir os olhos.
- Ué, ainda estou vivo!
Seu corpo é sepultado. Depois... o mais completo silêncio. Consegue abrir os olhos. Escuridão. Não respira, mas sente-se vivo. Fecha os olhos. Tenta imaginar que tudo não passa de um pesadelo. Tenta “se desligar”... mas continua “ligado”. Reginaldo começa a sentir uma sensação terrível.
- O que está acontecendo? Sinto dores por todo corpo... tontura. Preciso de um médico, não de uma sepultura. Alguém me ajuda!
Com o passar das horas, cada vez mais lúcido, Reginaldo começa a sentir-se extremamente desconfortável dentro daquele caixão escuro e silencioso. Tenta se mexer, mas não consegue. Sente-se um quadriplégico.
- Mas o que é isso, meu Deus? Será o efeito do veneno que me deixou assim? Mas eu não respiro...
 Reginaldo sente calor, sede e fome. O fato de ter perdido o comando dos movimentos do corpo o agoniza ainda mais. Volta a clamar por socorro.
- Mas será possível que ninguém me ouve? Eu preciso de ajuda! Socorro!
Cerca de trinta dias depois, quando estava num estado de quase loucura, eis que surge uma voz amiga:
- Mantenha a calma, amigo. A partir de agora, você será ajudado.
- Quem tá falando? Não vejo ninguém neste breu. Quero sair daqui.
- Acalme-se. Embora não me veja, eu consigo lhe enxergar perfeitamente. Aos poucos a situação vai ser amenizada. Mas no momento não será possível tirar você daí.
Aos poucos, o ambiente começa a clarear e a receber refrigeração, embora ele continue imóvel.
            - Olá, Reginaldo!
- Quem está falando? Embora aqui dentro esteja mais claro, não estou te vendo. Identifique-se, por favor.
- Sou um amigo. Aqui venho para lhe ajudar na travessia desse sofrimento.
- Realmente, tá difícil, viu? A coisa melhorou com a iluminação do ambiente e a refrigeração. Mas eu só queria morrer. Tomei veneno para isso. Aparentemente, morri. Percebo porque não consigo mais me movimentar. Estou chumbado dentro deste caixão, continuo consciente e não consigo sair daqui.
Pois é, Reginaldo! A coisa não é tão simples assim: morrer e pronto. Até porque, não se morre totalmente. O que existe é uma mudança de plano. O seu problema foi querer antecipar essa mudança. Por isso essa situação incômoda.
- Vou ter que ficar nessa posição de morto até quando?
- Você não queria morrer?
- Sim.
- Então! Morrer é isso. Um tempo para reflexão.
Havia dias em que uma pequena tela de plasma surgia a sua frente, exibindo filmetes sobre sua infância, adolescência, desenhos animados e filmes, para que seu tempo não ficasse monótono, bem como ajudá-lo a refletir sobre a importância da vida. Reginaldo foi tocado por um sincero sentimento de arrependimento. Para ele foi um grande choque saber que não tinha o poder de acabar com a própria vida.
- E aí Agnaldo? Como tem passado?
- Melhor. Descobri que não sei nada da vida. Não tenho condições de eliminá-la.
- Eu sei. Agora já tem consciência de que a vida não é tão descartável assim.
- E tudo isso por causa da Jerusa, aquela ingrata. Eu com tanto carinho... e ela nem aí.
- Não responsabilize os outros pelos teus equívocos. Antes de amar alguém, é necessário amar a si mesmo. Condicionar a felicidade ao que vem de fora é pura ilusão.  Desperdiçaste algo muito precioso, que é a sua arte. Deixou-se levar por uma desilusão amorosa, acabou ficando sem namorada e sem vida.
- Verdade. Estou arrependido.
- Porém, não há como voltar atrás, meu rapaz. Olhe para frente.
- Até gostaria, mas nesta posição não consigo.
- Hummm! Já está fazendo até piadinha. Sinal de que está conformado, apesar da precariedade da situação.
- Fazer o quê? Confesso que esse “conforto” proporcionado a mim, tem me ajudado a passar o tempo nesta prisão.
 Quem é que está proporcionando toda essa ajuda? Minha mãe tem muita religiosidade. É adepta da oração. Será que tudo isso não seja efeito dessa possível atitude dela?
- Certamente sua mãe também. A verdade é que tudo isso é resultado da providência  superior, que atende aos pedidos daqueles que são fieis.
- Quer dizer que nem com todos é assim?
- Os mais revoltados, inconformados, que trazem na mente o remorso, querendo a todo custo desfazer o que já foi feito... esses não aceitam a nossa ajuda. São mais sofredores. Vivem numa faixa muito ruim.
Após um período de bom comportamento, Reginaldo recebe a libertação da prisão horizontal a qual se submetera. É encaminhado para um hospital e internado na ala dos suicidas regenerados. Passa por um longo processo de fisioterapia para recuperar os movimentos dos membros inferiores e superiores. Quando já lhe era possível caminhar, é levado a conhecer pacientes de outras alas deste grande hospital, para que interaja com os outros e conheça outras histórias de vida e superação. Já totalmente recuperado e esclarecido, Reginaldo recebe alta e tem a chance de voltar para a vida.
- Parabéns! O seu restabelecimento foi pleno. Pronto para uma nova jornada?
- Sim. Preciso muito desta nova oportunidade. Sinto-me fortalecido para recomeçar do ponto onde parei. Espero novamente não fraquejar, porque aprendi observar a vida por outro ângulo. Sei que não tenho o direito de com ela acabar, por pior que ela esteja. Com muita vontade de recomeçar.
De agora em diante será diferente, pois aprendi a me amar a estar de bem comigo mesmo. E ainda que alguém venha me magoar, não desejarei com a vida terminar.

 

 

 
 
Conto publicado no "Histórias (incríveis) da meia-noite" - dezembro de 2016