Ivo Expedito Martini
Pato Branco / PR

 

Afinal, o que é saudade?

 

                

Alguém sabe me definir o que eu sou?
Eu vou falar de mim mesma, dizer o que eu sou, ou como me chamo, ou como querem me chamar.
Nada como deixar o pensamento vagar nos mares fundos da ilusão e viver iludido pela saudade.
“Eu sou a saudade ou saudades”, como quiserem me chamar. No singular ou no plural, nada muda com isto. Meu gênero sempre é feminino, embora quem eu visito seja feminino ou masculino, ou comum de dois gêneros.
Dizem que a saudade vai e volta.
É, eu vou e volto. Vou quando quero e volto quando quero sem ser mandada ou convidada.
“Mas como te chamas saudade? Qual o teu verdadeiro nome?”
Na verdade, não tenho nome, me chamam saudade ou saudades. Vivo vagando por aí, sem lugar certo, sem hora para chegar, sem hora para sair. Visito quem eu quero, embora o visitado ou visitada goste ou não goste de minhas inesperadas visitas.
As minhas visitas sempre são inesperadas, às vezes suaves como a brisa fresca da madrugada, trazendo o suave perfume das flores, lembranças; às vezes menos suaves, trazendo coisas não muito agradáveis ao visitado (a).
Às vezes me chamam de saudade malvada, mas de malvada não tenho nada, eu só sou saudade.
Às vezes dizem eternas saudades.
É verdade, sou eterna. Sempre existi desde que o homem existe.
Às vezes dizem jardim das saudades.
É verdade, o jardim pode existir, mas eu sou apenas saudade.
A quem eu visito levo de presente coisas boas e agradáveis como o sereno da madrugada, ou o perfume das flores, que o visitado gosta, aprecia e de repente vê e sente que tudo isto é fantasia, mas sou eu a saudade. Levo também ao visitado coisas que ele ou ela não gostaria de receber, porque eu sou também neste caso, saudade malvada, mas sou apenas saudade.
Quando visito alguém, o visito sem marcar hora, lugar, não tenho relógio, sem saber se o que levo a ele ou a ela é agradável ou não e sem saber se serei bem recebida ou não, pelas coisas boas que levo ou se o que lhe levo não é do agrado do visitado.
Minhas visitas às vezes são constantes e comigo sempre carrego coisas boas ou coisas menos boas.
Quem visito e me recebe, às vezes me recebe bem, me trata bem, me agradece, se alegra com minha visita e ficamos horas falando daquilo que levei e gosta.
É, eu sou a saudade.
Às vezes me recebem mal, não gostam da minha visita, não gostam o que lhes levo, se revoltam, pois o que lhes levei não lhes agradou e me mandam embora - sou a malvada saudade para eles.
Quem é que saudade não sente, quem é que saudade não tem?
Esta bichinha entra na casa da gente, mexe e remexe todos os cantos, e sempre acha algumas coisas boas ou menos boas, agradáveis ou desagradáveis e inferniza a vida da gente. Não tem onde esconder que a saudade descobre sejam elas recentes ou passadas. Quanto mais passado, mais agita.
Quando pergunto teu nome me respondes: Sou a saudade.
Quando te pergunto onde moras, me respondes que não tens morada e que a tua morada é por aí ao léu, vagando pela mente das pessoas.
Quando pergunto tua idade, me respondes que tens a idade do visitado e que conheces toda a sua trajetória e por isto gosta de visitá-lo seguidamente.
Quando quero saber tua cor, me respondes que cor tu não tens, tens a cor do visitado.
Quando pergunto em que nação ou país vives, me respondes que estás presente em todos os países e falas a língua de cada visitado.
Eu existo desde que o homem nasceu. Todo mundo sabe que existes, todo mundo te sente, mas ninguém ainda te viu.
Tu apareces, agitas e vais embora deixando tuas mensagens.
Quantos milhões de pessoas já escreveram “saudade”, te fizeram poemas, te cantaram hinos, tentaram te definir, deram teu nome a pessoas, cidades, cantos etc., mas ninguém conseguiu definir teu nome, tu és apenas “saudade”.
Quantos dicionários pelo mundo em todas as línguas tentaram te definir, te explicar, mas são apenas definições, explicações linguísticas sem saber dizer o que tu és, porque tu és apenas saudade e nada mais.
Tu és espírito, sentimento e isto não tem explicação humana. Quantos sinônimos te definiram, quantos antônimos tentaram te explicar, mas não conseguiram e tu continuas a ser sempre saudade.
Sem sinônimos, sem antônimos, sem cor, sem lugar, sem idade, sem cheiro, tu és simplesmente saudade. Existes, agitas, vais e vens, atormentas, acaricias, dóis, e para tua dor não tem remédio que alivie. Não tens perfumes, não tens cheiros. Isto é saudade que vai, saudade que vem, saudade malvada, saudade da madrugada, saudade da noite, saudade de alguém que passou por ti e te marcou e por isto te visita sempre.
Saudade de longe, saudade de perto, saudade de jovem, de adulto de velho, de crianças de perfumes de lugares, de viagens, de músicas, de amigos, de coisas, de dias, de noites, enfim, saudade de saudade.
Tu existes, ninguém te viu, todos te sentem, ninguém te vê, ninguém te toca, mas tu tocas todo mundo, mexes, agitas, és bem-vinda. Às vezes não te querem, mas tu és tu: Saudade.
Às vezes és suave melodia na vida de alguém que visitas, um perfume suave no meio da noite; às vezes és um barulho infernal em certas recordações, mas tu não escolhes o visitado, chegas, entras, dás o recado e vais embora para voltar de novo a qualquer lugar e a qualquer hora sem dar aviso prévio da visita.
Ninguém consegue te prender. Tu não matas ninguém, mas deixas cicatrizes profundas e não tem cirurgia de espécie alguma que possa esconder tuas cicatrizes.
Às vezes dizemos ou cantamos “minhas saudades”, mas as saudades não têm dono, nem casa; não têm idade, cor, sexo, tamanho. Bom, o tamanho depende do visitado. Às vezes és acariciante como a brisa da madrugada, suave como o perfume da flor, linda como a amanhecer da aurora, como o arrebol no poente, suave como o vento leve, violenta como o vento das tempestades, cristalina como as águas das fontes, sonora como o canto das aves, distante como o zênite do firmamento, cintilante como o cintilar das estrelas.
És estranha, desconhecida, mas sempre presente. Tu és tu: “saudade”.
Não procures nos dicionários o registro de tuas definições, porque eles te definirão com mil definições, mas não saberão dizer quem tu és.
Tu és saudade e nada mais. Tchau saudade! Saúde saudade!
Nada como deixar o pensamento vagar nos mares fundos da ilusão e viver iludido pela saudade.

 

 

 
 
Publicado no Livro "O Jogo da Vida" - Edição 2018 - Outubro de 2018