Maria José Zanini Tauil
Rio de Janeiro / RJ

 

 

Mestre crucificado

 

Como professora, sempre me achei como a flecha, cuja missão é apontar o caminho certo. A minha tarefa era direcionar  para  além de mim, rumo ao infinito. Nunca quis ser espelho, perante o qual os jovens parassem para se contemplarem em mortíferos narcisismos. Feliz fui por ser janela aberta, permitindo a visão de horizontes longínquos, passagem franca para as nuvens.
Não me julgo mestre de ninguém; não tenho discípulos, mas indico  o mestre invisível que habita na alma de cada um. Sinto-me muito feliz quando o viajor, orientado pela legenda da minha seta, me abandona e vai em demanda da meta indigitada, em espontânea liberdade, em busca da longínqua felicidade.

É difícil viver aquilo que se sabe. Outrora, toda a minha filosofia estava na cabeça, em forma de grandes ideias. Mais tarde, ela desceu para o coração, em forma de belos ideais e eu, na minha erudita ignorância, me tinha em conta de um filósofo. Proclamava aos quatro ventos a minha sapiência. Quando,  porém, tentei passar as ideias para o coração e deste para as mãos, para a crueza da vida prática, para o rude prosaísmo da vivência cotidiana, confesso...desanimei!

Percebi nessas tentativas que eu subia o Gólgota, seria crucificada. Da cabeça e coração para as mãos...por acaso não é isso uma cruz? Ontem tão segura, tão autocomplacente, hoje sangrando por ver diluído o sonho maior de colaborar para um país melhor, com homens melhores. Eu, que achei ter tanto para dar, como se fosse milionária do saber, tive a boca amordaçada, recebendo saberes prontos, pensados por cabeças alienantes, pessoas destituídas de coração, muito menos de amor.

Desde então, tentei realizar em humilde silêncio uma pequenina parcela das minhas grandes teorias (ou utopias?). Feliz me dava quando conseguia viver um por cento tanto das ideias quanto dos ideais. Enveredei pelo caminho estreito, passei pela porta apertada, deixei para cá da fronteira toda aquela bagagem idealizada. De ontem, de anteontem.... Bem pouco conseguiu passar pelo fundo da agulha da vida real. Toda aquela luxúria mental e verbal parecia um ilegal contrabando. Renunciar me parecia sinônimo de fraqueza...e eu detestava ser fraca! Só pode renunciar jubilosamente, o ser que transborda de riqueza e plenitude interior. Ser forçada a renunciar é, certamente, escravização, mas renunciar espontaneamente é proclamação de suprema liberdade e independência.

Aprendi  que estabelecer dentro de si o grande tratado de paz traz riqueza interior. Não há necessidade de correr atrás dos pequeninos grãozinhos de ouro e migalhas de prazer que formam o cobiçado alvo da luta . Sim...uma luta de quarenta anos. Uma vida totalmente dedicada à educação e ao ensino. Muitas histórias de vitórias para contar...mas quantas de derrota, por influência de uma máquina enferrujada, emperrada,um poder devastador que não se beneficia com o fato de formar homens de bem.  Uma aprendizagem comprometida com a politicagem, para que haja mais e mais manipulação. Professores desmotivados, amordaçados, vendendo “verdades” com as quais não compactua, sem salários, sem perspectivas de futuro...

 Eu, que um dia saí da escola normal olhando o futuro com lentes azuis, aperfeiçoei-me em cursos universitários, cursos de aperfeiçoamento; hoje sinto-me como aquele personagem bíblico que não multiplicou nem dividiu seus dons...mas enterrou-os. Sim...enterrei meus sonhos de educadora por causa do sistema.Uma andorinha só, não faz verão.

Por isso, para mim, Mestre é, foi e será Jesus de Nazaré. O único caminho para criar  vida abundante. Ninguém pode viver gloriosamente sem que tenha morrido espontaneamente.

 

 

 

 
 
Poema publicado no livro "Painel de Contos Premiados" - Outubro de 2017