Neri França Fornari Bocchese
Pato Branco / PR

 

 

Encontro em uma despedida

 

Há algum tempo, num passado não muito distante, cheio de saudade, em uma das muitas serrarias instaladas em Pato Branco, cujas máquinas trabalhavam dia e noite a fim de exterminarem o Pinheiro. Árvore símbolo do Paraná, majestosa cuja copada forma uma taça para absorver o orvalho das noites enluaradas e dar pouso as coricacas, as outras aves como os bandos de  Tirivas, aves coloridas, barulhentas que deslocam-se por essas paragens.  Pinheiro, amigo também da Gralha Azul que garante por si só o plantio do pinhão.  Ainda as Maritacas com plumagem eriçada e cauda fina e fraca.
As serrarias agrupavam em seu entorno muitas famílias. Essas, com muitos filhos para ser a mão de obra mais tarde. Entre elas, duas em especiais, com crianças da mesma idade. Tornaram-se amigas. Na infância, brincaram e foram à escola juntas.
As tardes de domingo eram especiais. Pular entre as toras empilhadas para serem serradas ou cozidas para se transformarem em lâminas. O perigo era constante, mas os Anjos da Guarda sempre de olhos muito abertos eram mais que competentes. Cuidavam mesmo.
Pular em cima das carrocerias dos caminhões estacionados com seus truques erguidos ou não, divertia-se e muito. Quando chegava à noite, cansados, mas felizes, depois do banho tomado dormiam sonhando com os Anjos, para na segunda-feira iniciar outra vez as atividades. Ir à escola e trabalharem em casa. As crianças da época trabalhavam e muito. Mas entre as folgas brincavam também e, bastante.
Foram felizes, apesar de todas as dificuldades. De todas as adversidades de uma vida sofrida financeiramente. Sem  os confortos e ganhos dos dias atuais. Havia carinho e amor por parte de algumas famílias. Outras mais severas, os filhos eram de certa forma um estorvo e precisavam serem disciplinados severamente. Mas mesmo assim, a família era um porto seguro.
As crianças frequentavam a mesma escola. Não havia distinção social entre os que trabalhavam e seus filhos, com os que administravam as Serrarias. Compartilhavam as mesmas crenças.
Os mais crescidos, junto com as mães, tomavam mate doce, com pipoca, pinhão e batata doce assada, nas tardes depois que o serviço da casa tivesse todo feito.  Aos Domingos, todos sem exceção tinham a obrigação religiosa. Não se faltava a Missa Dominical. Na saída, denominada de Santa Saída, os namoros entre os jovens, começando com olhares apaixonados e suspiros profundos, aconteciam, muitos resultaram em casamento.
Tempos felizes, dentro de um contexto que deixou raízes. As crianças cresceram. Cada um seguiu o seu destino. Alguns sem nunca mais se encontrarem, outros de vez em quando um bate papo amigo. Jogando conversa fora, como se diz.
Amigos, porém com histórias em comum. Os elos ficam e deixam saudade.  Uns crescem, formam as suas famílias, enquanto outros envelhecem.  A Lei da Vida que desde o alvorecer da humanidade se repete.
Um desses encontros entre todos eles, foi para despedir-se da Dona Nenê. Senhora bondosa, acolhedora.  Um encontro, para lembrar-se de outros tempos.  Gerações diferentes. Filhos, netos e bisnetos reverenciar a bela senhorinha que deixou saudade.
Nada mais sugestivo do que a sua neta escreveu:
“Quantas vezes pensamos que teremos o amanhã para fazer ou dizer aquilo que tanto queremos?
 Foram 91 anos de luta 91 anos de alegrias, de momentos compartilhados, de vida muito bem vivida e por fim de paz.
Dinoraci, um nome tanto quanto incomum, dona de uma personalidade forte e principalmente  uma alegria que cativava a todos por onde passava.
Com um legado invejável, foi mãe de 6 filhos, avó de 13 netos e bisavó com 11 bisnetos. Ensinou-nos a sermos fortes na dificuldade, a enfrentar os desafios de cabeça erguida. Mesmo com toda a sua simplicidade nos deixou o seu exemplo de franqueza e honestidade. Dona Nenê foi luz, foi amor, foi fortaleza, foi o elo que ligou e transformou diversos corações.
Eu peço licença aos nossos familiares e amigos,
- Mas sabe vó, ainda não sabemos o que vamos fazer com os encontros de almoços, sem o arroz de forno ou a roda de chimarrão.
Os domingos ficarão vazios com a sua ausência, as cucas de bananas, a nega-maluca e, os carteados ficarão para sempre na nossa lembrança, nas  memórias dos domingos e, nos  nossos corações.
Eu acho vó, que de inicio as coisas ficarão meio perdidas, de  nós seus filhos de sangue e de coração nos sentiremos órfãos, mas tenho certeza que sempre que precisarmos a sua Estrela brilhará mais forte para nos guiar proteger e abençoar.
Devemos tudo a ti, mas entendemos que precisou voar. Eu só peço que tenhas coragem de confiar em sua criação.
E, no fim não é sobre ter todas as pessoas do mundo pra si, é sobre saber que em algum lugar zela por nós, é também ter morada em outros corações e, assim ter amigos contigo em todas as situações porque quando menos se  espera, a vida já ficou para trás porque ela é trem bala, parceiro e agente é só com passageiros prestes a partir.
Dona Nenê foi e levou um pedacinho de cada um de nós, brilha muito nossa Nova Estrela, porque a saudade já esta apertando por aqui.
Amamos você,
Com carinho”
 Mesmo quando a Lei da Vida se mostra com toda a sua originalidade, não respeita o querer e não permite acrescentar nem mais uma hora , quanto mais um dia, há um encontro e, esse traz de volta o passado.  Trás recordações.
Dona Nenê fez parte da minha história de adolescente, junto com suas filhas me ensinou os mistérios da vida. Num tempo em que tudo era segredo, uma vida cheia de mistérios. Sentados em volta do fogão à lenha, aquecendo as tarde chuvosas com a sua garoa fria de inverno, na cozinha de uma casa de serraria, sempre havia acolhida. Um sorriso bondoso e,
-Entre vamos nos aquecer. Era a cordialidade.
 Boa conversa, chimarrão o mate doce. As crianças suas e dos vizinhos também sentirão saudade.
Há pessoas que partem, mas permanecem presentes, pois fazem parte de uma lembrança querida. Assim foi o viver da Senhorinha Dona Nenê.

 

 

 
 
Poema publicado no livro "Painel de Contos Premiados" - Outubro de 2017