Rosemeire Stteffen
São Paulo / SP

 

Além do imaginável

 

Estava frio, muito frio mesmo e queria que esfriasse ainda mais, muito mais! 
Queria que seu coração e seu cérebro congelassem definidamente. 
Não queria sentir coisa alguma, não queria raciocínio e nem lembranças. 
A agonia era tanta que sentia agora necessidade de falar para qualquer ser. 
Mas não adiantaria dizer o tamanho da sua dor e das suas feridas. 
Não havia um motivo que lhe faria dizer para alguém o que não mais suportava. 
Ninguém jamais poderia curar uma das suas dores e nem estancar o que sangrava. 
Atrocidades amontoadas dentro dela que não queria mais, não queria! 
A impossibilidade da ausência permanente daquilo que sabe é uma impossibilidade.
Queria congelar de todas as formas, mas precisava suportar aquele dilaceramento. 
Por teimosia prosseguiu e foi uma ferida após a outra que lhe foi acrescentada. 
Estava em pé ainda, mas uma perda que lhe amputou uma parte de si fez que aceitasse. 
Aceitou que estava realmente destruída, então tentou parar e parou de tentar. 
Sabia com certeza absoluta que nada mais suportaria sem que a destruição fosse fatal. 
Sem que esperasse ficou muito aterrorizada após receber uma mensagem avassaladora. 
Instalou-se o pânico, não o medo, mas o pânico doentio e perverso e se isolou de tudo. 
Anos de pavores, medo de tudo, medo irracional, mas real e sofrido desesperadamente. 
Estava quase melhorando quando desprevenida saiu do seu mundo para o mundo das gentes. 
Participou daquele mundo de horrores, que já conhecia profundamente, sem cuidar de si. 
Deu de cara com uma crueldade jamais vivida e nem imaginada e agora só queria ser iceberg; conseguiu.

 

 

 
 
Poema publicado no livro "Painel de Contos Premiados" - Outubro de 2017