José Faria Nunes
Caçu / GO

 

 

O carneirinho do presépio

O menino observa as pessoas que saem e volta-se para o presépio. Examina-o com interesse. Na missa ouviu que o reino dos céus é das crianças. Tempestade mental. Se é das crianças o céu e viver no céu é ser feliz, então a felicidade é das crianças. Olha o presépio. O boi. O carneirinho. Os astrônomos que foram chamados reis — os reis magos. A estrela. Tudo bonito. Tudo. Enamora-se. “Bem que queria um desses!”. O carneirinho. Só o carneirinho. O Menino Jesus, esse não. Tem que ficar no presépio. Presépio sem Menino Jesus não é presépio de mesmo. O carneirinho, esse sim. Há outros no presépio.
Não tivera Natal em casa. Nunca. Não conhece Papai Noel. Será que Papai Noel me conhece? Sabe de minha existência?!
À sua frente o carneirinho cresce, apequena, atrai. Por que o padre falou que o céu é das crianças? Não ganhou brinquedo e quer o carneirinho. Será pecado? O que é pecado? Para que pecado? Se é verdade que Deus ama a gente, por que ele deixou a cobra dar a maçã para Eva e Eva para Adão para depois todo mundo ter pecado?
Quer o carneirinho. Todos já se foram. Ninguém vê. O Cristo, crucificado, parece dormir de cansaço e de dor na cruz, na parede, lá atrás do altar. Parece não se importar com nada ali na igreja. Coitadinho do Cristo. Sofreu muito. Mas por que, se ele é Deus? Ou ele é apenas o Filho de Deus? Se é filho não é pai e se Deus é pai não é filho?! Coitadinho de Cristo! O padre falou que Cristo sofreu para o perdão dos pecados. Não sei não. Acho que Cristo não sofreu por mim não. Papai Noel não me conhece. Será que Cristo me conhece?! Esfrega as mãos, nervoso.
A decisão. Ergue o braço, mas o gesto fica suspenso no ar com a chegada do vigário que vem fechar a igreja. Para disfarçar a intenção, limpa com o dedinho o espelho que forma o lago nas proximidades da gruta de Belém. Por que presépio em forma de gruta? Cristo nasceu não foi num ranchinho, na estrebaria, casa de animais?
— O Sinhore vai fechá a igreja? — Pergunta ao padre que fecha a primeira porta.
— Estou fechando — Responde o padre, em seu sotaque de estrangeiro, não com aquele carinho com que falou na missa da meia-noite.
— O presepe tá bunito, né? — insiste, tentando coragem para pedir o carneirinho.
— Você acha? — o padre fala indiferente e o menino entende que o vigário não está interessado naquele diálogo, quase monólogo.
— Acho — termina, desconcertado, infeliz.
Percebe que de nada adiantará insistir. Não vai ganhar o presente.
Absorto nos sonhos, fica a olhar o presépio sem nada ver. “Como eu queria um carneirinho desse!” E o vigário o acorda para a realidade:
— Vamos embora, dormir?
— Vamo.
Volta-se e ainda dirije um último olhar para o carneirinho do presépio, um ente querido que talvez jamais voltará a ver.
O padre fecha a última porta e se vai.
Agora com medo, corre debaixo da madrugada em direção ao aconchego que o espera debaixo da ponte. Mas agora sou filho único: os dois outros viraram anjinhos e estão com Deus no céu. Durmo e não vejo a fome e nem sinto desejo algum.
Enquanto dormimos os sentidos nada reclamam.
Sonho com o presente de Natal que não ganhei: o carneirinho do presépio. 

 

 
 
Poema publicado no livro "Painel de Contos Premiados" - Outubro de 2017