San Cardoso
São Paulo / SP

 

 

Solidão na escuridão

 

         Anos setenta, Nanci e Antonio, casados há quinze anos, pais de três filhos, duas meninas e um menino, viviam uma crise em seu casamento.
Antonio, de temperamento forte, machista, ciumento, não admitia que Nanci estudasse nem trabalhasse fora.
Ela tinha planos de progredir através do seu trabalho, mas as crises constantes no casamento, as discussões , trocas de ofensas estavam acabando com a harmonia e a união do casal.
Naquele final de ano ela tomou a decisão de acabar com a sua vida. Depois de mais uma discussão, ele saiu com os filhos foram comprar presentes.
Ela desceu para o litoral, pela estrada velha de Santos. Na serra, a pista estreita, escorregadia, cheia de curvas, a chuva cada vez mais forte anunciava a tempestade, os raios rasgavam os céus, os relâmpagos iluminavam a escuridão...
Os pensamentos confusos as lágrimas desciam pelo seu rosto sentindo-se a última das criaturas, incompreendida, solitária, inconformada com a sua situação, uma jovem mulher, 33 anos, que só pretendia progredir através do seu trabalho, deveria contar com a compreensão e incentivo do seu marido. Não! O orgulho e o ciúmes o deixaram cego e insensível a qualquer diálogo...
Para ele, mulher que trabalhasse fora queria mesmo era trair o companheiro. Ela tinha que ficar em casa cuidando dos afazeres domésticos e da família.
Nanci chegou até a sua casinha na praia, estourou uma das janelas para poder entrar. Para não chamar a atenção ela não carregou consigo as chaves da tal casinha. A sua intenção era terminar com aquele suplício, aquela noite no mar...
Ela entrou, sentou-se a uma cadeira na cozinha, desabafou na caneta escrevendo as suas memórias, era  a sua carta de despedida, nela ela explicava a razão da sua atitude desesperada.
Para acompanhar as suas lembranças e fazer um último brinde de aniversário - sim, era dia do seu aniversário -, abriu uma garrafa de vinho tinto português, taças de vinhos saboreados com queijos e salames italianos. Possuidora de bom gosto, por excelência.
A chuva continuava forte, mesmo assim, as pessoas caminhavam para praia esperando o romper do Ano-novo, a queima de fogos, adentrarem ao mar, levando suas oferendas de flores, pedirem a proteção saudando a Mãe Yemanja...
Assim ela fez, pegou o seu carro, voltou para estrada, escolheu uma das praias mais afastadas, deserta aonde não houvesse nenhuma alma àquelas horas naquela praia...
Foi entrando no mar sem resistir a vontade de nadar, fundo e mais fundo, insistindo para sucumbir naquelas águas mornas das noites de verão...
Somente com a lua cheia iluminando como testemunha...
Ali ela ficou um bom tempo...enfrentava o mar, avançava nas suas águas, e o mar a jogava pra fora...- Totalmente em transe e com aquela idéia fixa de acabar com a sua vida...
Houve um momento que ela naquela escuridão silenciosa, ouviu a voz de um homem, um senhor que a chamava:
- Moça, moça saí daí, não faça isso!
Aquela voz para ela estava longe, sem nenhuma importância...
Foi então que aquele senhor gritou:
- Não faça isso, não vale a pena!
E completou:
- Pense nos seus filhos!
Isto sim, chamou a sua atenção e a fez voltar a razão, despertando-a daquele transe...
Ela parou, olhou para os lados e viu longe na praia a figura de um senhor idoso, que lhe falava, era a imagem de um preto velho....
Enquanto ela virou-se para a direção do seu salvador, já não havia mais ninguém, aquela figura sumiu na escuridão totalmente.
Ela pegou o seu carro voltou para cidade, madrugada de Ano-novo, todos em festas, àquela hora só estavam abertos o hospital e a delegacia.
Ela foi até o hospital ligou para sua casa na capital,  disse aonde estava, pediu que levassem as chaves e fossem buscá-la...
No dia seguinte voltou àquela praia deserta, procurou por aquele senhor para lhe agradecer e não achou nada, nem ninguém....
Nanci voltou para casa com a sua família. Antonio prometeu compreendê-la melhor...Mas, não deu certo!
Meses depois, ela pediu a separação, para viver em paz com seus filhos...

 

 

 

 
 
Publicado no Livro de Ouro do Conto Brasileiro - Edição 2018 - Agosto de 2018