Rita Lucia de Lucas Tré Becker
Petrópolis / RJ

 

O menino que virou estátua duas vezes
por alguns segundos

 

        

Neste episódio me senti feliz para o dia todo. Aguardava o ônibus para ir trabalhar. Já estava esperando mais ou menos uns 40 minutos. De certo, minha paciência deveria estar no limite, só que não, pois eu aguardava lendo. Minimiza o sofrimento.
Chegou o ônibus e sentei-me lá trás, no canto, na janela. Depois de entrar uma porção de gente, sentou ao meu lado um garotinho, de uns seis anos, desassossegado. A mãe vinha com um outro no colo e uma menininha carregada pela mão, colocou-a junto desse menino que estava ao meu lado. Ficamos três no banco. Eu lia A elite do atraso, de Jessé Souza.
O garotinho não sossegava e a irmãzinha dele também não. Até que eu disse para ele:
- Olha, o banco tem uma divisão, vocês ficam para lá e eu fico para cá. Tá bem? Não pode ultrapassar o risco dos bancos.
Ele olhou para mim, fez que sim com a cabeça e ficou quietinho, como uma estátua. O rosto estático e os olhos arregalados a olhar para frente (ai, tadinho!). A irmã ficou me olhando com o dedo na bochecha. Aqui dentro de mim, o que eu queria mesmo era rir.
Bem, dali a pouco, olhei de novo para as crianças e perguntei o nome delas. O menino era Pietro e a menininha era Micaela. Eu disse:
- Hum, que nomes lindos!
Ele já ficou mais à vontade e ela riu. Começou a se mexer de novo no banco e ela também. A mãe havia sentado dois bancos à frente com o outro menininho.
Eu disse para ele:
- Pietro, vou continuar a ler, tá? Então, preciso de sossego. Sabe o que é sossego? Ele respondeu que sim com a cabeça e voltou a ficar tal qual uma estátua (ai, tadinho, de novo!).
A Micaela já estava de costas com os pés para fora do banco nem ouviu o que eu estava a dizer. Ele ficava tomando conta dela e a puxou pelo casaco para dentro do banco e me esbarrou novamente. Então, acabei por desistir de continuar a ler e resolvi curtir as crianças, disse a elas que o banco poderia ser compartilhado. Não precisávamos mais considerar o risco que dividia os assentos. Ele mais que depressa chegou para o meu lado e sentou a irmã encostada no banco como eu estava.
Começaram a rir e perguntei se ele gostava de ler. Disse que não, enrugando o nariz e mexendo negativamente com o rosto. E acrescentou:
- Eu só gosto de fazer o dever da escola.
Perguntei se eu podia contar-lhes uma história e ele aceitou.
Comecei a contar a história do livro A menina e o pássaro encantado, de Rubem Alves. Ele e ela ficaram ouvindo. Uma história doce e fascinante sobre uma menina que prendeu o pássaro encantado, que vinha para contar histórias, mudava de cor, trazia amor, mas ia embora. Entretanto, voltava. Só que ela sentia muitas saudades e um dia resolveu prendê-lo para não sentir mais a falta dele. Na gaiola, o pássaro perdeu o encanto, perdeu a cor, não contava mais histórias, não sentia nem trazia mais amor. Por fim, a menina entendeu que deveria soltá-lo para ele voltar a ser encantado e encantar não só ela, mas o mundo ao redor.
O Pietro ficou passando o dedinho nos lábios. Esteve bastante atento e a Micaela ficou repetindo: - ele foi bora, - ela soltô ele… Pietro começou a contar que teve um passarinho que fugiu e quem ficou triste foi ele (o Pietro). Aí, em sequência, contou-me a história, que aprendeu no colégio, dos dois porquinhos (ele disse dois). Logo se corrigiu e disse três com os dedos das mãos. Achei ótimo, eu tinha me esquecido dos três porquinhos.
A viagem, que era curta, chegou ao fim, tive de saltar, eles me deram tchau e ficaram chamando a mãe para sentar ali com eles. Bastou para minha felicidade do dia. Encantada com as crianças e com o bem que as histórias fazem a todos nós.

 

 

 
 
Publicado no Livro de Ouro do Conto Brasileiro - Edição 2018 - Agosto de 2018