José Faria Nunes
Caçu / GO

 

 

O caso de Jurandir

 

  

Na repartição a bomba da notícia estampada na capa do principal diário da cidade: o titular da Agência Estadual de Comunicação fora demitido na tarde do dia anterior, confirmando os rumores da crise por que passa o novo governo. O governador anterior, cuja administração já vinha com rumores de corrupção na equipe, renunciou ao cargo com alegação de se desincompatibilizar para uma eventual candidatura à Presidência da República. Nos bastidores da política, entretanto, apostava-se que os “planos de Presidência” eram blefe, pois ele tinha consciência de seus desgastes na esfera nacional desde a inclusão de seu nome na lista de eventuais indiciados da Lavajato. Dado o assistencialismo de seu governo e a curta memória do eleitorado, sua eleição para a Câmara dos Deputados estava garantida, talvez at&ea cute; mesmo para o Senado. Para o cargo majoritário nacional sua eleição era impensável.
O vice assumiu em meio à crise anunciada, com maior realce na direção superior da Agecom, cujo titular gozava do status de articulador mor da imagem pública do ex-governador. Isso não era segredo. Corria sem reserva nas redações da imprensa da capital que ele não morria de amores pela performance do novo governo. Fugia de seu agrado a maioria da nova equipe. As crônicas desautorizadas correntes apostavam em sua intenção de solapar o novo governo, interferindo com a divulgação de matérias subliminares de forma a minar a boa imagem da nova equipe, que se reforçava com a esperança de recuperação do tempo perdido. A sociedade clamava por mudanças e a ascensão do novo governador simbolizaria a divisão do caciquismo no Estado. E isso seria impensável.
Como já dito acima, o agente da comunicação foi o primeiro a ver a cabeça rolar e com ele iria ribanceira abaixo também seus pretenciosos planos.
O vice assumiu no quente dos rumores de corrupção em alguns órgãos. Ele assumiu com promessas de mudança. E começa pela agência estatal de comunicação, envolvido nas propinas do novo aeroporto da cidade, o BRT e do novo centro poliesportivo. O nome do titular da Agecom, ao lado do ex-governador, estava envolvido, entre outroscasos, no superfaturamento da construção da ferrovia intercontinental, que passaria pelo seu Estado (passaria, pois a obra mal foi iniciada).
Na Agecom
O novo governador não perderia por nada a chance de tomar de pronto as rédeas do poder pleno. E isso ele o fez já no dia seguinte ao da posse. Dezenas de cabeças rolaram e o primeiro a ser divulgado foi na comunicação. O órgão estava inchado, “um verdadeiro cabide de emprego de desocupados”, diziam os críticos de oposição contra o diretor de até então em exercício.
O pânico com a notícia da demissão ganhou todos os setores, desde a portaria do órgão até alguns nomes de relevo no escalão superior. Entre os candidatos ao desemprego, o exercício de profecia. Quem vai para o olho da rua? O fulano? O beltrano? Ou o ciclano?
Ninguém admitia publicamente ser ele próprio o primeiro a ser penalizado pela caneta do novo diretor. Cada um se julgava devidamente amparado por seu Q.I” superior. Afinal, quase todos ali foram indicados. Se alguém passara por algum processo seletivo, tudo mera formalidade.
Aquele dia todos se desdobraram a mostrar serviço. Ou para agradar o chefe imediato ou até mesmo com o sonho de promoção, de ser elevado para o lugar do chefe que eventualmente pudesse ser demitido.
Jurandir, diligente como sempre, trabalhava como se nada estivesse acontecendo. Admitia a possibilidade de ser um dos contemplados pelo cartão vermelho, embora tivesse consciência de seu satisfatório desempenho. Se não fazia o melhor, pelo menos empenhava-se para isso.
Jurandir era o mais novo na agência, daí sua insegurança. Entrara como estagiário ou menor aprendiz. Seu contrato definitivo de trabalho era recente em comparação a tantos outros. Além disso, não tinha status de puxa-saco de chefe.
Com a fatídica notícia, Jurandir ouvia murmúrios pelos corredores, apontando-o como um dos primeiros a ir para o olho da rua. Ainda que em profundo desconforto ante aquela situação, manteve-se diligente no que fazia.
Passada a posse do novo diretor no gabinete do Governador, deu-se a “cordial” transferência de cargos no auditório do Centro Administrativo do órgão. Ato contínuo, em reunião com os titulares de cargos de chefia, a divulgação da primeira lista de comissionados que deixariam o órgão. Alguns funcionários ociosos de cargos de carreira  foram transferidos para outras repartições, outros sumariamente demitidos. Para estes, a recomendação de passarem na manhã seguinte pelo núcleo de administração para a formalização do ato e pegarem o documento que os habilitassem ao “seguro desemprego”.
Para decepção das “aves de mau agouro”, o nome de Jurandir não apareceu na lista publicada no início da manhã seguinte. E o diz que diz das más línguas ganhou os corredores da repartição e até de outros órgãos do governo. Até mesmo na Assembleia Legislativa se falou do rebuliço.
Jurandir não sabia se comemorava a permanência. Talvez a omissão de seu nome na fatídica lista pudesse ter sido erro de digitação. Colegas e amigos dele que permaneceram no órgão diziam que ele fora poupado porque era eficiente e eficaz no que se propunha a fazer.
A alegria de Jurandir não durou muito. Poucos dias depois fora chamado à sala do novo chefe e recebeu a notícia de que novo corte tinha que ser feito e desta feita a começar pelos mais novos.

 

 
 
Publicado no Livro de Ouro do Conto Brasileiro - Edição 2018 - Agosto de 2018