Wagner Gomes
Caçu / GO

 

 

Consciência humana

 

Dos porões da velha e esquecida senzala,
ainda se ouvem o ruir dos pinos e as travas do alforriado tronco.
Entre os assoviares tenebrosos do vento nos varais,
parecem ainda produzir gemidos de dor e agonia,
as gargalhadas ainda atreladas umas as outras
e a pescoços livres que continuam presos,
a detalhes esquecidos no tempo.
Rangem nos pisos assoalhados, as correntes e algemas,
e nas traves as caixinhas de castigo balançam.
Jogadas no canto,  berlindas rustidas pelos anos
e por punhos e pescoços nelas aprisionados.
De olhos estendidos e esbugalhados,
sinto as máscaras flandres a cobrirem minha boca.
O roído pau de arara guarda em si os sinais
das cordas e das amarras esquecidas.
E silenciado está também o cepo de quinas quebradas
que ainda traz em seus furos o unto das canelas negras.
Assoviam no ar o cortar dolorido dos chicotes de couro cru,
a retalhar uma consciência negra que apenas
finge existir na vida de brasileiros retalhadores
que não respeitam humanos, e fingem respeitar cores.
E ao ouvirem as críticas, em seu interior fingem
não sentir o ardor da palmatória impiedosa
a castigar as mãos indecentes que mostram rostos inocentes
separando-os pela cor da pele.
Um vira-mundo esquecido no canto da porta de saída
deu a minha mente e aos meus olhos, a sensação
que nenhuma data para a consciência negra é capaz de tornar
esquecível o sofrimento de corações
que não escolheram nascer de pele escura,
ou de olhos tapados para o sofrimento de seu semelhante.

 

 

 

 

 
 
Poema publicado no livro "E lá vem a esperança de novo..." - Fevereiro de 2019