Antonio Laurentino Sobrinho
Curitiba / PR

 

 

O bolo de aniversário para um
morador de rua

 

 

        O andarilho passava em frente a uma casa bonita, quando a dona da tal casa saía para dar uma voltinha  com seu cachorro de estimação. O andarilho aproximou-se da mulher:
        - Por favor, será que a senhora poderia me dar um pedaço de bolo?
        - Bolo? - perguntou ela. Onde já se viu você me interpelar para me pedir um pedaço de bolo? Se você me pedisse um pão ou um resto de comida eu até que entenderia, mas me pedir um pedaço de bolo?
        O andarilho meio sem graça explicou.
        - Eu estou lhe pedindo bolo, porque há um ano eu passava aqui com um colega e ele me falou que a senhora faz o melhor bolo de fubá da cidade, como hoje é meu aniversário, eu achei que a senhora poderia me presentear com um. Se a senhora puder me dar, pode continuar seu passeio com seu cachorrinho, eu volto na à tarde para buscar meu pedaço de bolo de fubá!
        - Mas por que bolo de fubá?
        - Minha mãe fez um bolo assim quando eu fiz 5 anos.
        - Já que vou te dar um bolo posso saber quantos anos o senhor está fazendo hoje?
        - Não sei quantos anos eu tenho.
        - Então como você sabe que hoje é seu aniversário?
        - É porque minha mamãe me disse que eu nasci no dia de São José!
        - Como é seu nome? Onde você nasceu? Tem irmãos?
        - Meu nome é José e minha irmã chama Maria José.                 Minha mamãe faz um bolo de fubá para nós dois!
        - Onde vocês nasceram?
        - No Sertão Paraibano, em uma fazenda, chamada Cabaceira, em Catolé do Rocha, nosso patrão foi preso pelo governo militar, acusaram-no de ser comunista, os policiais queriam que meu pai confessasse que também era comunista. Eles levaram nosso patrão e ficaram de voltar para fazerem perguntas aos meus pais. Eles disseram que todos os comunistas iriam morrer, que todos nós iríamos para o inferno. Nós não esperamos que a profecia fosse cumprida, por isso, fugimos pelo meio da mata. Embreamo-nos no meio do Sertão com medo de sermos presos e só depois de vários dias saímos na estrada, pegamos carona em um pau de arara até chegarmos ao Rio de janeiro. Ficamos morando embaixo de um viaduto, no bairro do Novo Rio, meu pai era vaqueiro, não tinha profissão, por isso, foi catar papelão para fazer reciclagem.
        - Como era a vida de você no Sertão?
        - Nossa vida era boa, minha mamãe não precisa trabalhar, na roça só cuidava da gente, tínhamos carnes de cabrito, galinhas e comíamos carne de preás que nosso cachorro Tubarão caçava. Tínhamos nossa casinha com rede de varanda, a sombra de cajueiro, pra eu e minha irmã brincar, no domingo íamos pra cidade assistir a missa do padre Zezinho.
        - Quanto tempo vocês ficaram morando embaixo do viaduto?
        - Moramos bastante tempo, nosso pai falava para nossa mamãe que tinha um pessoal rondando nosso barraco, ele falava que era o mesmo pessoal que prendeu nosso patrão.
Minha mãe dizia:
        - É coisa da sua imaginação, aqui ninguém nos conhece.
        Um dia ele saíu para trabalhar e não voltou, mas sabemos que um carro de pintura camuflada, verde-oliva o atropelou, ele virou uma estrela no céu. Ficamos sozinhos, eu e minha irmã, porque nossa mãezinha foi chamada ao hospital. Nosso paizinho ainda estava vivo, mas com muito medo, cochichou no ouvido da nossa mãezinha para ela tomar muito cuidado e não falar pra ninguém o que havia acontecido. Ela voltou do hospital com muito medo, mas dias depois ele morreu, continuamos morando no mesmo lugar, mas nossa mamãe tinha muito medo, quase não dormia, passava as noites todas em claro sem dormir.
        Com o tempo ela ficou doente e muito faquinha. Porém sempre tinha uma senhora que nos dava alguns alimentos. Um dia nossa mamãe pediu para aquela senhora cuidasse de nós. Ela tinha medo de morrer e de nós ficarmos no mundo sozinhos. Um domingo à tarde, nossa mamãe foi levada para um hospital, a senhora veio nos buscar e como eu saía sempre com nosso pai, já conhecia outros moradores de ruas eu fugi com eles, foi assim que eu aprendi a pedir esmola.
Pelas ruas da cidade, depois de alguns dias voltei ao viaduto e fiquei sabendo que nossa mamãe havia falecido, foi se juntar ao nosso pai no céu. Depois deste dia nunca mais voltei naquele lugar. Cresci vivendo de cidade em cidade, já faz bastante tempo que vivo em Itaguaí que é conhecida como a Cidade dos Loucos.
        - Como assim a Cidade dos Loucos?
        - É que me falaram que um médico chamado Simão Bacamarte, construiu um hospício para internar as pessoas que tinha problemas mentais, mas há algo nesta cidade que me prende, não consigo ficar muito tempo sem vir aqui, não sei se é por causa do bolo de fubá que meu amigo me falou...
        - Ah... sim voltamos falar do bolo de fubá. Por coincidência, fiz um no aniversário da minha filha. Sobrou bastante bolo e doce, então resolvi doar aos moradores de rua, e seu amigo foi um deles, ele foi enviado por anjos para que eu pudesse conhecer meu querido irmão.
        - Como assim seu irmão?
        - José você é meu irmão que eu tanto procurava. Este casal que você se refere a eles com tanto carinho são os meus pais também, eu sou sua irmãzinha que durante todos estes anos vivia a sua procura. Vivia com o coração apertado, pois estava faltando uma parte de mim. Vem me dar um abraço meu irmão.
        José ficou paralisado, sem saber o que estava acontecendo, Maria José tomou a iniciativa e os dois se abraçaram calorosamente, choraram um choro que estava represado ao longo dos anos. Maria José chamou a Claudia Evaristo, uma moça que trabalhava com ela. Vai correndo a uma loja comprar uma bela roupa para meu irmão se vestir dignamente. Claudia não demorou muito voltou com uma bela roupa para o irmão de sua amiga...
        Claudia era uma solteirona muito dedicada a família, uma fiel escudeira da sua irmãda Maria José. Quando, por acaso, se deparou com José saindo do banho todo arrumado o coração dela disparou:
        - José você está lindo como um príncipe.
        - Não fala assim que já estou envergonhado.
...
        Hoje a Claudia e José estão casados, morando em pertinho da casa da Maria José seus filhos e esposo na bela cidade de Itaguaí. Agora, o ex-morador de rua vive feliz e próximo de seus sobrinhos.
        Depois de vários anos eu reencontrei o José perguntei a ele:
        - Você ainda acha que Itaguaí é a Cidade dos Loucos?
        - Sem querer plagiar o Dr. Simão Bacamarte, eu descobri que o único louco desta cidade sou eu, louco pela minha esposa e familiares. Pretendo morar em Itaguaí para sempre, e continuar comemorado os meus próximos aniversários juntos para todo sempre!

 

 


 




Conto publicado no livro "Mentiras (mais ou menos) verídicas"
Edição Especial - Agosto de 2021

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