Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ

 

 

Espelho de talentos 

 

 

       Vi uma criança de uns cinco anos na pracinha brincando sozinho, com um brinquedo incomum. Por alguns instantes tive a sensação de ser transportada imediatamente para o passado. Caí ziguezagueando exatamente no aniversário de cinco anos do meu filho amado.  
      Festa pronta, decorada, nem me lembro do tema, casa cheia de amigos e parentes e alguns amiguinhos do colégio. Tinha tudo e muito mais que uma comemoração de aniversário de uma criança muito esperada, muito amada poderia ter. 
      Comprávamos sempre um presente de aniversário excepcional, grande, algo que sabíamos que ele ficaria muito feliz e só dávamos o presente a ele depois que todos tinham ido embora. Nem sei bem o porquê de agirmos assim. Nosso menino com carinha feliz, depois da festa terminada, aguardava o presente de papai e mamãe.  
      Naquele ano o meu marido comentou: o presente de aniversário do nosso filho é por minha conta, vai ser surpresa até para você. Confesso que fiquei bastante preocupada, planejávamos e comprávamos juntos. Que seria que ele estava imaginando? Insisti, perguntei, pesquisei, inventei, seduzi, mas ele não se entregou, não revelou o que seria e garantiu que não iria acabar com a minha curiosidade e completando falou: – Fique envolvida com a realização da festa, já falei que o presente é por minha conta. 
      É evidente que eu não me sentia tão a vontade de deixar este assunto por conta dele pressagiando que aconteceria algo incômodo ou até mesmo algo enigmático, devido aos labirintos inventivos em que passeava a sua inteligência e criatividade. Porém com tantas coisas que eu ainda tinha para fazer procurei esquecer o assunto. 
      Bem, a surpresa for enorme, o menino desembrulhou o presente, um pacotão pesado, que ele não aguentou segurar e então pai colocou o mimo embrulhado no chão. O sorriso do meu marido era lindo de abrir o amanhecer, a felicidade dele era transparente até no balanço do corpo. A criança foi rasgando o papel, o presente foi surgindo e o sorriso foi dividido com a surpresa. O diálogo foi falado com os olhos e o coração fez a tradução dos sentimentos que passearam na sala flutuando em suspiros. Eu senti uma intensa ternura. Ternura é um sentimento adulto, porque para sentir ternura tem que ter compreensão da forma, do tamanho e da cor do amor, uma criança ainda não é capaz de perceber tudo isso ao mesmo tempo. Meu marido tentou explicar o significado daquela escolha e como surgiu aquela peça. Quem vai entender o que se passa na mente de um pai sem passar primeiro pela mente da criança que há dentro dele?  
      Dá um beijo no papai e agradece pelo lindo presente, falei para o pequenino. Ele abraçou o pai e como estava com sobrepeso de felicidade cansado pelas brincadeiras da festa, dormiu imediatamente. 
      O dia seguinte é sempre o dia seguinte. Meu marido foi para o trabalho e meu filho para o colégio. Quando fui buscá-lo à saída das aulas ele estava reluzente: - mamãe todo mundo adorou minha festa e foi comentando com detalhes. Almoçou, brincou com o montão de brinquedos que ganhou. Perguntei: - E este aqui, que o papai te deu com tanto carinho? Quer saber a verdade mãe, eu não gostei muito, respondeu com jeito de quem preferia um jogo eletrônico ou coisa parecida. 
      Alguns dias depois ele estava brincando no jardim com um primo e com o presente que ganhou do pai: um caminhãozinho de madeira pintado com cores fortes, com portas, carroceria, rodinhas possantes, volante e placa com a inicial do nome do menino e data de nascimento. Todo feito pelo pai. Foi tão surpreendente que o guri não tinha entendido a imensidão de amor contido no presente. Examinado com cuidado pela criança, o brinquedo ganhou um lugar de destaque entre todos os brinquedos. 
       A razão foi que ele procurou o pai para jogar bola o encontrou na pequena oficina fazendo outro caminhãozinho. 
       A oficina existia como válvula de escape, antiestresse, evitando o desiquilíbrio emocional. Nesse espaço o pai se refazia da pressão do trabalho dedicando a criar peças com pedaços de madeira, deu o nome da saleta de “Espelho de talentos”. 
       Para quem é esse brinquedo, papai? - Não sei... Pode dar para mim, porque quando meus amigos vêm aqui todos querem brincar com meu caminhão e falam que você é um pai muito legal que faz coisas que pai nenhum sabe fazer. 
      É preciso de vez em quando deixar os olhos se encherem de lágrimas, o coração explodir de alegria e agradecimento quando o sonho se realiza. 
      A minha viagem foi tão rápida ao passado, que pedi a mãe da criança para fotografar o caminhãozinho do garotinho. Chegando a casa mostrei a foto ao meu marido, ele sorriu e comentou: - Pode haver milhões de brinquedos modernos, mas qualquer menino em qualquer época vai valorizar e apreciar um caminhãozinho de madeira feito artesanalmente. 

 


 




Conto publicado no livro "Mentiras (mais ou menos) verídicas"
Edição Especial - Agosto de 2021

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