Alberto Magno Ribeiro Montes
Belo Horizonte / MG

 

Um escritor diferente



            

            Ruberval Rubélio é um escritor diferente. Publica livros (de poesias, contos etc), mas não com o intuito de vendê-los e sim de divulgar suas obras, em doações a parentes, amigos e conhecidos. Algumas pessoas já lhe aconselharam a não doar e sim a vender seus livros, para obter algum lucro ou mesmo apenas para reparação de suas despesas. Era comum também elas argumentarem que quando pagamos por algo, geralmente valorizamos mais. Mas ele sempre dizia que não levava jeito para negócios. Outras pessoas diziam que seria uma boa ideia então, doá-los também a bibliotecas públicas, ou mesmo para escolas. Isso ele não achava interessante, pois na sua opinião, o livro provavelmente ficaria lá na estante da biblioteca e a chance de alguém pegá-lo para ler seria praticamente nula, principalmente se fosse de poesias. A seu ver, da maneira que agia, pelo menos alguém pegará em seu livro, talvez o leia e gostando ou não, poderá comentar, emprestar, guardá-lo ou mesmo passá-lo para outros.
            Entretanto, não se sentia totalmente satisfeito com as doações que fazia, já que gostaria também de levar seus escritos a pessoas desconhecidas. Ele gostava muito de viajar e também de passear em sua cidade. Um belo dia, teve a ideia de deixar propositadamente, sempre que fosse possível e sem que ninguém percebesse, um exemplar de livro seu nos mais diversos lugares em que ele fosse, como por exemplo, em balcões de agências bancárias, de correios ou mesmo em bancos nos pontos de ônibus. E nem sequer desejaria ficar sabendo quem foi que pegara o livro, pois não permaneceria no local para ver quem iria achá-lo. Entretanto, ao colocar seu plano em ação, isso lhe rendeu algumas situações inusitadas.  
            Certa vez, visitando uma Igreja numa cidade próxima à sua, fora do horário de missa, procurou um banco que estava vazio, ajoelhou-se e rezou um pouco. Então, sem que ninguém notasse, deixou um livro lá e foi embora. Na pracinha da Igreja, parou num trailer para lanche e foi comer um cachorro-quente. De repente, viu três moças saindo da Igreja, e uma delas estava com seu livro nas mãos, lendo-o, sempre caminhando e às vezes olhando para trás, desconfiada, como que a verificar se estava sendo seguida. Parecia que ela se sentia culpada, como se tivesse feito algo errado. Ficou então imaginando o que aquela moça estaria achando do livro.             Estava gostando? Pelo menos aparentava estar muito interessada em saber seu conteúdo, pois não parava de ler. Mas tudo era apenas imaginativo, pois não tinha como ele saber o que realmente ela estava achando. E era essa dúvida, o que mais lhe fascinava e lhe dava imensa satisfação. Então, a moça vendo que ninguém a estava seguindo, continuou lendo, até que Ruberval a perdeu de vista. Voltou satisfeitíssimo para casa. Ficava imaginando a surpresa daquela pessoa ao encontrar um livro, assim do nada. Será que foi ela mesma que o encontrou? Perguntou aos presentes no local, se era de algum deles? Ou será que ela teria pensado que alguém o esquecera, ou deixara lá de propósito? E qual seria o destino dele? Mostraria para outras pessoas, contando ou não como o conseguira? Ficaria com ele ou o doaria para alguém? Esse mistério o fascinava e voltava para casa felicíssimo por ter conseguido seu intento, por ter levado seus textos para alguém que ele nem sequer imaginava quem era. Uma escolha do destino.
            Um dia leu num artigo de jornal, que algumas pessoas (não necessariamente autores de livros) tinham a mesma atitude dele, só que deixando um “bilhetinho anônimo” dentro do livro, dizendo que o mesmo fora deixado de propósito naquele local, para divulgação e como incentivo para as pessoas adquirirem o hábito de ler. Existia também em diversas cidades, com o mesmo propósito, os "Espaços Troca Livros", conhecidos "Murais de Livros" onde a pessoa deixava um livro e levava outro. Conhecia vários e uma vez leu num deles uma frase muito bonita, original e incentivadora: “LIVRO PERDIDO PROCURA LEITOR. ACHE E PERCA O SEU AQUI”.             Só que Ruberval não se interessou por esses modelos de difusão para as suas obras, pois queria suscitar a dúvida nas pessoas, sobre como que o livro foi parar naquele local, mesmo que não houvesse possibilidade dele saber o que as pessoas pensariam.
            Certo dia, passeando na praça do bairro onde morava, deixou num banco um livro de poesias de sua autoria e foi fazer uma breve caminhada pelas proximidades. Na volta, ao passar por aquele lugar, viu que um rapaz achara seu livro e pelo jeito não demonstrava muito interesse em lê-lo, pois o abriu, deu uma rápida olhada, fechando-o em seguida. De repente o moço foi até ele e disse: Sr, achei este livro ali num banco. É de poesias e eu só gosto de ler romances. Se o sr. gostar de poesias, pode ficar com ele. Ruberval disse que aceitaria sim. Pegou então aquele livro, agradeceu e o levou de volta para sua casa, colocando-o em lugar de destaque em sua estante. Aquele exemplar ele guardaria com muito carinho, como se fosse um presente para si mesmo. Quis se desfazer do livro, mas o destino dele era mesmo em suas mãos.
            Noutra ocasião, deixou outro livro seu no mesmo local e logo que saiu dali, olhou para trás e viu um mendigo, com suas tralhas dentro de um desses carrinhos de supermercado, passar na frente do banco onde o livro fora deixado. Ele vê o livro, mas não o pega, seguindo adiante, indo beber água num bebedouro próximo dali. Ao voltar, pega aquela publicação, dá uma folheada rápida, coloca-a debaixo do braço e vai embora.             Aí, passa por uma dessas lixeiras suspensas e para em frente a ela. Ruberval levou um susto, achando que o mendigo fosse jogar seu livro no lixo. Mas não, ele foi apenas “fuçar o lixo”, procurar algo que achasse que tivesse valor.  O mendigo então o colocou junto aos seus pertences no carrinho e foi-se embora. Qual seria o destino daquele livro? Uma incógnita, que Ruberval jamais desvendaria. E era isso que ele queria... Assim, mais uma vez realizou seu desejo.


 




Conto publicado no "Livro: Manual do Fofoqueiro"- Edição 2021
Novembro de 2021

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