Romilton Batista de Oliveira
Piracuruca / PI

 

 

Águas revoltas - a morte não deu cabo de mim



           

         Eu estava lá. Estávamos todos lá a passar um final de semana. Sextou! Como dizem os comunicadores de plantão, a juventude de hoje! Não a juventude daquela época! Eu era o professor escolhido para ali está com a turma de estudantes de uma grande escola de minha cidade. Era verão! Todos seguiram viagem! Alguns de carro próprio, outros de ônibus. Lembro-me de alunos como Alfredo, Sérgio, Poliana, Marco, Paulo, Macksuel, Sara, Raquel, entre outros que lá estavam. Era uma grande casa de praia, bem próxima das águas de um revolto rio. Havia uma pequena ilha a esperar por turistas curiosos e desejosos em visitá-la. O caiaque de Bernardson, dono da casa de praia, conduziu, um por um, à singela ilha.
         Primeiro, todos alojamos na casa, colocamos nossas coisas em seus devidos lugares. Planejamos passar três dias. Quando o convite chegou a mim para ir com eles eu tentei não aceitar, mas me convenceram a ir, e eu acabei aceitando. O passeio só seria liberado pela escola caso um professor estivesse presente para coordenar e investigar o comportamento da turma. A maioria dos alunos tinha de 17 a 22 anos aproximadamente. Eu tinham alguns anos à frente da mocidade, mas era poucos anos de diferença.
         Todos finalmente estávamos na bela ilha. Era um lugar prazeroso. A natureza encantava o olhar dos humanos e transmitia uma felicidade que só pela poesia posso eu escrever ou transcrever. Levamos vários tipos de bebidas, mas havia uma muito saborosa de cor verde que me atraiu. Não me lembro de seu nome. Estávamos todos a beber, conversar, brincar e jogar conversa fora! De repente, eu me distanciei da turma, e, fitando as águas que rodeavam a ilha, resolvi jogar-me sobre ela. Eu não sabia nadar. Era aprendiz de aprendiz de marinheiro, se é que me entendem! Mas o álcool estava a fazer um efeito muito estranho em meu corpo, dando-me uma liberdade avassaladora que jamais experimentei. E, do nada, estava eu lá a nadar como um professor de natação, exatamente eu que não sabia nadar, apenas batia as mãos e as pernas! Lembro-me que quando eu ia nas piscinas dos clubes de minha cidade eu não me arriscava a “nadar” na parte funda da piscina, além do mais eu carregava comigo um trauma de adolescente que quase perdeu a vida no rio Cachoeira quando eu estava a “nadar” com meu irmão na parte rasa do rio. Reinan Robson era o seu nome. Jamais esqueci daquele horrendo dia! Vi a morte de perto. Fui salvo por milagre, tanto eu quanto meu irmão. A diferença era que ele sabia nadar muito bem, mas as correntezas nos levaram pra um lugar onde, na época, muitas pessoas haviam morrido naquele lugar. Mas passou! Tudo isso aconteceu há mais de vinte e trinta anos.
         Voltando ao passeio, acompanhado de um piquenique na ilha, no primeiro dia de diversão. Como eu havia dito antes, lá eu estava a nadar ao redor da ilha próximo da turma de alunos que estavam a conversar e beber, fora da água. Havia entre eles, uma aluna que sabia que eu não sabia nadar, os demais nada sabiam.
         Subitamente meu corpo se desequilibrou com um redemoinho que surgiu de repente e sugou para o interior das águas desaparecendo com o meu corpo. Lembro-me que eu batia as mãos e lutava com toda a força, até ter conseguido colocar a cabeça fora d’água e gritei “Socorro! Socorro! Socorro! Como eu sempre fui brincalhão, alguém da turma disse: Mas Romadel sempre brincando! Agora está pedindo “socorro”! Pensavam eles que eu estava brincando quando a aluna que eu considerava aluna-destaque, aquele tipo de aluna que mais se aproxima do professor por meio de um jeito alegre de ser, jeito cativante (que eu não me recordo o nome neste momento). Foi exatamente ela, quando eu lutando com as águas para viver, tive a oportunidade de conseguir colocar novamente a minha cabeça para fora da água e gritar “Socorro!”. Foi quando ela disse:
          – Romadel não está brincando, além do mais ele não sabe nadar e está bem distante de nós. Bernardson pegou imediatamente o caiaque e seguiu na direção em que eu tinha aparecido pela última vez a pedir por socorro. Era tarde demais, pois o redemoinho havia rodopiado o meu corpo e me puxado para o interior das águas.
         Lembro-me, com o abrir e fechar dos olhos: eu lutava com toda a minha força contra a força poderosa daquelas águas revoltas. Naquele momento meus pensamentos estavam mergulhados e tomados pelo medo e pelo pânico! Imaginava que ira morrer, mas lutei até as minhas últimas forças. E quando não mais suportei, entreguei-me às desconhecidas e violentas águas que vinham do grande mar.
         O caiaque pilotado por Bernardson ficou a caminhar a longa distância, seguido do aluno Alfredo que era um bom nadador, inclusive dava aulas de natação na escola, salvo eu não me engane! Eles se afastaram das águas próximas à ilha a procurar por meu corpo. Todos os alunos ficaram apavorados! Imaginaram que eu havia morrido, pois já se passara mais de cinco minutos, e nada! O pânico foi geral. Até que, de repente, o casco do caiaque bateu numa espécie de coco, e eles resolveram averiguar: era a minha cabeça. Eu já estava totalmente sem forças, mas não totalmente inconsciente. Eu conseguia ouvir, mesmo em estado de coma algumas fragmentadas vozes.
         Fui levado às pressas pelo caiaque, e na beira do rio que dava acesso ao mar, estava o carro, e eu fui levado às pressas ao antigo Hospital Regional de Ilhéus, onde no momento que eles tinham-me levado já em estado perda de total consciência, com a barriga bastante grande, cheia de água salgada que eu havia engolido, por coincidência havia um único médico de plantão que havia acabado de chegar no hospital e providenciou colocar-me no balão de oxigênio. Todos imaginavam que eu não ia escapar. O passeio acabou, de uma parte foi embora para Itabuna, e outra parte de alunos ficaram na casa a esperar por resultados. Foi um dia inesquecível pra a minha vida e para a vida de todos os alunos que experienciaram tal catástrofe. Passados alguns três dias, eu abri os olhos e estava numa sala em que fortes flashes de luz estavam em minha direção. Mas antes de abrir os olhos, algo aconteceu comigo. Lembro de forma não tanto traumática que eu via que eu estava sendo levado para um lugar que não consigo por palavras aqui traduzir, transmitir, mas que ficaram em minha mente. Penso que a minha alma havia saído de meu corpo e estava ser consumado a minha morte, a minha passagem. Quando, de repente, eu senti tudo desparecer de minha visão. Foi naquele momento que eu consegui abrir lentamente os meus amedrontados olhos. Ao abrir os olhos pensei que eu estava nos céus devido as luzes fortes e coloridas que invadiam o meu rosto. Depois de alguns minutos, orientados pelo médico que estava a me despertar cuidadosamente para a compreensão de que eu não morri, de que eu sobrevivi àquela catástrofe.
         Senti uma grande alegria, e apesar dos alunos terem seu final de semana interrompido, ficaram bastante alegres em saber que eu não morri, pois, certamente, passariam a ter culpa, uma vez que eu insisti em não aceitar o convite para ser o acompanhante oficial da escola, e acabei aceitando para fazer a vontade deles, e eles afirmavam entre si, que não tinha uma melhor escolha para estar com eles.
         Passados tantos anos, aproximadamente 23 anos, jamais esqueci dessa nova oportunidade de ter sobrevivido àquele grave acidente. Carrego comigo, em meu corpo, a marca física e psicológica desta tragédia. Mas em tudo há aprendizagem… Não era o meu dia! Assim como não foi em outros momentos em que eu estive frente à morte e não morri! Esta é outra longa e complexa história que será contada num outro texto, num outro conto, interpelado pelo poder deste gênero textual que tira de dentro de nós o testemunho, embora traumático, contribuindo para a Literatura de Testemunho, baseada em fatos reais, tecidas com o cuidado minucioso de trazer do passado algo que nos causa mal-estar. Mas é preciso contar, ser testemunha de uma catástrofe que me serviu de experiência para a vida. Eu me chamo Romadel dos Reis, sobrevivente desta história!


 




Conto publicado no "Livro: Manual do Fofoqueiro"- Edição 2021
Novembro de 2021

Visitei a Antologia on line da CBJE e estou recomendando a você.
Anote camarabrasileira.com.br/mf21-004.html e recomende aos amigos