Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ

 

 

O anel 



      Bacharel em Direto diploma na mão, fazer um currículo e sair em busca de trabalho. Já tinha feito estágio em alguns escritórios, mas ele queria o seu espaço, realizar seu futuro tão ideado e esperado. Foi aprovado na prova da OAB, logo, estava pronto para advogar. 
      Não foi nada fácil deixar o interiorzão. Começou a estudar mais tarde e obviamente quando completou o curso universitário não era um rapazinho. 
A parte mais difícil do caminho (no pensamento dele) ele venceu, agora era só alugar uma sala e esperar os clientes. Sonhar faz parte da vida porque a realidade nua e crua estagna o sonhador. 
     Primeiro dia por conta própria: terno novo, sapato de couro alemão e camisa francesa, linda gravata presenteada pela namorada e uma Zorba vermelha para espantar os invejosos.  
      Estava sentindo uma alegria incomensurável. O pai deu o prometido anel de grau, gastou todas as economias que tinha, mas fez questão de dar ao filho amado, simbolizando um momento tão importante de uma etapa cumprida, celebrando a graduação. Ele exibia aquele anel robusto, com design quadrado, de ouro 18 quilates, com uma maravilhosa pedra de rubi encimando o centro daquela joia e com símbolos laterais representando a justiça. 
      Exuberante, a pedra vermelha faiscava raios que iluminava a memória do menino que um dia declarou para a família simples “um eu vou ser um doutô”. Todos riram daquela empáfia do pequenino. No rosto do pai desceu uma lágrima e então o pai declarou “e eu vou dar a você o anel de doutô”, ninguém riu. 
     O rubi é utilizado nos anéis de formatura relacionados ao dom da palavra, seja falada ou escrita. 
      Chegou o primeiro cliente. O advogado aceitou a causa. Trabalhou com afinco, usando todo o conhecimento adquirido para exercer a carreira profissional escolhida.  
      Preço combinado, tudo acertado. Em pouco tempo o caso foi resolvido e o pagamento recebido. 
      Os clientes foram enchendo a sala de espera. O Doutor cada vez mais dedicado, mais laborioso e competente. 
     Sr. Atalécio, aquele que foi o primeiro cliente, morava no interior, gente boa! 
      No final do ano, próximo ao Natal o seu Atalécio foi visitar o advogado e levar um presente em agradecimento da causa resolvida. 
Ele tinha um grande respeito e admiração por aquele advogado. Era Deus no céu e o advogado na terra. Aguardou de pé, na sala de espera:- “Bom dia Doutore, tá lá na camioneta o seu presente, o senhore qué recebê aqui ou deixamo na sua casa?” - Muito obrigada, não precisava se preocupar comigo, mas pode deixar aqui, porque a minha mulher está trabalhando e não tem ninguém em casa. –“Então vou mandá trazê.” respondeu o cliente. 
      Dois rapazes fortes entraram carregando um saco, um pegando de cada ponta, quando o saco foi colocado no chão o bicho estava vivo e fugiu. Então começou um corre-corre, um tal de pega-pega e uma gritaria. 
      O escritório ficava na rua principal da cidade, cheia de lojas e barraquinhas de camelôs. Era hora em que a rua ficava cheia de compradores. 
      Uma leitoa com uns oitenta quilos era o presente. Como foi criada solta sabia correr. Entrou numa sapataria espalhou sapatos para todos os lados. As pessoas corriam do bichinho, uns queriam pegar, outros corriam e gritavam sem ao menos saber o que estava acontecendo. Foi muito bagunça, um sururu, um rebuliço bem na rua central. O Corpo de Bombeiros foi chamado e conseguiu pegar a leitoa. O resto da história fica na imaginação de cada um. 
      O pior de tudo é que ninguém mais chamava o advogado pelo nome dele, ficou conhecido como Doutor Leitoa. A história saiu até no noticiário local. Em poucos dias ninguém mais ignorava a história do presente natalino. Todos riam dele apontando gritavam: Lá vai doutor Leitoa! 
      O jovem advogado fechou a sala, passou os clientes para um colega, mudou-se para uma cidadezinha bem longe daquela, vendeu o anel de grau e junto com mais algum dinheiro que tinha guardado, comprou um sítio. 
      Comprovou que as feridas abertas estavam cicatrizando. Não se sentia covarde. Achou mais simples mudar o rumo da vida. A partir de então, enriqueceu com criação de suínos e fez jus ao apelido Dr. Leitoa, que o acompanhou para sempre, em todos os lugares em todos os dias e em todos os momentos da sua vida. 


 




Conto publicado no "Livro: Manual do Fofoqueiro"- Edição 2021
Novembro de 2021

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