Marcel de Carvalho Ribeiro Dias
Rio de Janeiro / RJ

 

 

A nubente do subúrbio

 

 

Aproximava-se o grande dia. Já nos preparativos finais para o momento  mais feliz de sua vida, Celeste foi fazer a última prova do vestido, em casa de Dona Malvina, senhora gorda e patusca, costureira de mão cheia e alcoviteira-mor de Olaria.
Após os últimos ajustes no vestido – belíssimo, no dizer de Dona Malvina – o convite para um chazinho e uns dedos de prosa.
Assim o fizeram. Sentaram-se e começaram a trocar ideias. O assunto, claro, era o casamento. Dos detalhes da cerimônia, evoluíram para assuntos mais delicados. Órfã de mãe, Celeste sentia necessidade de alguém para aconselhá-la nos meandros mais sensíveis do matrimônio, e acabou se abrindo com Dona Malvina. Perguntas capciosas:
- Na hora das intimidades, devo ficar nua diante de meu marido?
- De forma alguma! Respondeu Dona Malvina, afetando no olhar um duvidoso escândalo puritano.
- E por que não?
- Porque toda nudez será castigada!
Celeste espantou-se, mas, em sua inocência, resolveu continuar a aconselhar-se:
- Devo sentir prazer durante as intimidades?
- De maneira nenhuma! - Bradou, feroz, a costureira doublé de alcoviteira. E prosseguiu:
- Toda esposa deve ser santa. E toda a santa é frígida! - Disse, com ênfase.
Celeste, já meio assustada:
- Mas assim, ele não vai gostar de mim. Pode ficar com raiva de mim. Até mesmo me bater...
Dona Malvina não se fez rogada:
- Se ele te bater, não se incomode.
- Não me incomodar?! E, meio surpresa com a frase, indagou:
- Então devo me conformar em apanhar do meu marido?
A alcoviteira não titubeou em responder:
- Toda mulher normal gosta de apanhar, só as neuróticas é que não gostam!
A essa altura, o chá já havia esfriado na xícara, enquanto Celeste se desnorteava:
- E se ele resolver me trair?
Dona Malvina, segura de cada palavra:
- Deverás ficar de joelhos diante do teu marido, e pedir a ele
- Pedir o quê? - Indagou a nubente, já fora de si.
Ao que a costureira prontamente respondeu:
-Perdoa-me por me traíres.
Celeste indignou-se:
- Então devo pedir perdão por ser traída?
Dona Malvina, com um meio sorriso irônico:
- Sim, e você já deve ensaiar seu pedido de perdão, pois logo precisará pedir.
 Já em desespero, Celeste não se conteve:
- O que você quer dizer com isso?
Dona Malvina:
- Num casamento, sempre há o traidor e o traído.
E vaticinou:
- Mais cedo ou mais tarde, você verá seu marido com outra!
A pobre nubente, já à beira da loucura:
- E você sabe com quem?
- Não sei o nome, como posso saber? Mas sei bem o jeito da sirigaita.
- Que jeito é esse?
- Bonitinha, mas ordinária.
Celeste já estava aos prantos. Dona Malvina olhou-a tentando afetar pena, mas alguém mais observador – ou maldoso? Notaria nos cantos de sua boca um esgar irônico, terrível.
- Minha querida, não desanime! É importante você saber dessas coisas.
E emendou:
- Saber a vida como ela é.
Enlouquecida, Celeste levantou-se:
- Não pode ser! Não pode ser!
E saiu disparada a correr, cruzou o portão da casa de Dona Malvina, e chegou à rua. Desafortunadamente, naquele exato momento, um automóvel vinha pela rua. Não houve tempo de frear. Atingida pelo veículo, a futura nubente, ainda trajando seu vestido de noiva, tombou, sem vida, escrevendo o último ato desta tragédia suburbana.
O beijo no asfalto.

 

 

 

 
Poema publicado no livro "Mutretas, Xavecos e Pilantragens" - Contos - Janeiro de 2018