Maria Rita de Miranda
São Sebastião do Paraíso / MG

 

 

Pesadelo

 

 

          A imagem refletida no espelho mostrava, para meu desespero, uma mulher acabada. A pele flácida, os músculos se despencando, as pálpebras caídas, os olhos embaçados, os lábios, em meio ao acentuado bigode chinês, um tanto voltado para dentro e os cabelos, parecidos com uma espiga de milho seca, ressecados e sem brilho.
          Movimentava-me de um lado para outro encontrando defeito em tudo. Nada do que antes me satisfazia estava no lugar. Passei a mão pelo rosto, cabelo, corpo... Definitivamente aquela não era eu.
          Saí dali prometendo nunca mais colocar os óculos ao olhar-me no espelho. Melhor ainda, o evitaria. Só para pentear os cabelos e passar o inevitável batom é que ousaria ali me ver refletida, assim mesmo de relance, sem deter em nada.
          Fui me deitar tentando esquecer o que os anos de vida promovem no corpo físico. Procurei me centrar nas experiências adquiridas, na tolerância que a idade traz, na beleza da alma, na inutilidade da matéria que cedo ou tarde se decompõe. Adormeci me sentindo desfeita, massa mole, só o esqueleto insistindo em se manter.
          De repente, uma súbita mudança tomou conta de mim. Passando as mãos pelos cabelos, notei que estavam lisos, macios e soltos. Desobedecendo a promessa de não mais olhar no espelho, coloquei os óculos e fiquei diante dele. Vi os cabelos lindos. Ao descer o olhar deparei com as pálpebras tão levantadas que as sobrancelhas alcançavam o topo da testa. Meus olhos se acenderam. Os lábios eram carnudos e no lugar do bigode chinês, uma lisa bochecha se salientava. A pele de tão esticada, dava a impressão de que a qualquer momento, ia se romper.
          O que estava acontecendo? Os músculos dos braços de tão grandes e duros, mais pareciam os braços do Popeye depois de comer o espinafre. O abdômen se comparava aos famosos tanquinhos dos atletas. As coxas estavam endurecidas e as batatas da perna pulando para fora. Encarei-me novamente. Eu estava monstruosa. Senti-me culpada, só podia ser castigo  por antes não aceitar minha aparência. Queria, a todo custo, voltar ao normal. Comecei a me massagear, esperando que o corpo amaciasse. Nada. Tentei me locomover, mas estava tudo tão duro e pesado que eu mal conseguia sair do lugar.
          Novamente o desespero. Tirei os óculos. Quem sabe eram eles o culpado daquela visão horrorosa. Mas nada, o robô aceso persistia. Comecei a chorar e quebrar o espelho, o que fiz com a maior facilidade. Minhas lágrimas se juntaram a uma substância pegajosa e escorria por todo o corpo formando uma poça lamacenta no chão. Eu estava dessorando. Era a imagem da desintegração.
          Quis gritar por socorro, mas não conseguia. Quando meu grito se fez ouvir, sobressaltada pulei na cama encharcada com o meu suor. Por um segundo achei que ele era mesmo a minha decomposição. Demorou ainda alguns minutos para que eu percebesse que estava acordando de um terrível pesadelo. Corri para um espelho e me vi refletida como sou. Agora sem reclamações.
          De manhã, indo para o trabalho, encontrei-me com uma conhecida que não via há algum tempo. Ela fez a seguinte observação: - parece que o tempo não passa para você, seu aspecto está muito bem, pele boa, fisionomia feliz. Agradeci e pensei que nem em sonho queria ser de outa maneira.

 

 
Poema publicado no livro "Mutretas, Xavecos e Pilantragens" - Contos - Janeiro de 2018