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Ediloy A. C. Ferraro
São Paulo / SP

 

Choro na viola

 

No canto do bar, entoando a viola, tirava acordes, transpirando suas nostalgias em poemas líricos de própria lavra, sinceros e belos. Mas, saudosas canções, jamais alegres, embora lindas, falando de um amor passado, asas das saudades... o ritmo do instrumento pareciam lágrimas sentidas acompanhando a voz  afinada e tristonha do violeiro. O lirismo compungido fazia do ambiente algo intimista, atraindo a atenção dos freqüentadores. Seriam lágrimas transmutadas em cantos, ou prantos disfarçados em sons ?

No embalar de suas entonações, imagens casadas com a natureza bucólica, reminiscências de sua origem rural, enfeitando um cenário onde debulhava suas saudades em trinados melodiosos e nostálgicos. Vagava muito além daquele ambiente, viajante introspectivo em seu universo pessoal, restava ali sua presença física, seu rosto denotando suas emoções, seu cantar inspirado, feito um canário em uma gaiola, onde não se sabe se canta ou chora suas desditas de prisioneiro.

 Apenas a viola como companheira, atraindo a atenção dos presentes, envolvidos na aura melancólica do intérprete carismático, de afinada voz melodiosa. Em sua prosa lírica, confrangendo emotivos da assistência, onde as falas se comunicavam com muitos, visto a infância comum de alhures lugares, pontuadas em lembranças de simples vidas campestres.

O artista vivifica momentos, extasia a platéia em qualquer palco que se apresente. Seja em qual instrumento for, no toque de um piano, no dedilhar das cordas da viola cancioneira, ou ainda de uma gaita a bailar nos lábios. Mesmo no pandeiro rasteiro na harmonia da percussão de uma bateria de escola de samba, feito em canções, lamentos e louvores se mesclam inspirados, trazendo o choro feito arte, invadindo corações e incendiando e reverberando luzes. Ainda que tristes, soturnas, as notas extraídas. emoções evoladas, libertas amarras em sonoras expressões. Lágrimas e lástimas, em poesias ritmadas, libelos das dores em libertação.

Ali estava o poeta e sua viola, abraçado a ela como se fosse a amada distante, revivida em sua poesia e sons lamuriosos, consumido de saudades. Histórias de vidas, relembradas, amores deixados no tempo em amargas despedidas. Enlaça seu instrumento, extensão de sua voz e dor, cúmplice, nas incursões sofridas da memória. Brando choro sonoro em notas musicais, mágoas cantadas, dedilhadas, ecoando, pranteando e encantando.

Em cada face dos presentes, embalados na melodia, como se o sentir de agora doesse nas almas revivificando momentos, o fenecer das alvoradas e entristecer dos ocasos, pintados em rubros arrebóis. Cada Ser um universo, arquivo inescrutável de suas intimidades. Na muda leitura que cada nota inspira, tocando corações. O que nos une, na sincronia humana, são as emoções, manifestas em sorrisos e até em lágrimas de alegrias e de dor.

O gosto, aromas e sabores, sentimentos pelas flores, encantos dos pássaros, fases do dia, esquadrinhado em horas, rotinas. Furtivas sensações, pinturas de um quadro, detalhes de uma escultura... Paixões revolvidas, em canções ouvidas, curtidas e sofridas. Tantos sentimentos se misturam, meiguice de crianças, nuvens em desenhos, gostosas gargalhadas, perfumes, queixumes e humores...

 Águas correntes, límpidas, cristalinas, nascidas nas retinas de almas sensíveis, passíveis de emoções. Escorre nas faces, nublando sorrisos, deixando cicatrizes. Alegria de chegadas e amargas despedidas. Ânimos de euforias, pesares e agonias, levando, deixando, sinais na vida, sulcos em leitos secos dos rios.

Olhares alheados, enviesados sentidos, ociosos momentos. Bolhas de sabão em vagos pensamentos, nau sem rumo, sensações oscilantes, sentimentos refutando tormentos.  O que se buscava, cada qual, era o enternecimento em suas próprias viagens íntimas, saboreando lembranças, descortinando vidas. Aparente indolência calma, inspirados nas canções. Desafios às emoções, um adeus abraço, distâncias presentes, a imagem de quem vai, ausência doida que fica, lembranças queridas.

Como regente de uma orquestra, dando as ordens com a batuta, no interior de cada ente, suas verdades em silêncio, como barcos singrando extenso mar, com matizes próprias, escritas com os dias de cada vida. Estradas, partidas, despedidas, sumindo, consumindo.

Estrela guia, ou sugestão apenas, evolava no ar aqueles acordes, despertando sensações, sentimentos. Oníricos instantes, devaneios e magias, girando as mentes distantes naquela canção, percebida de forma sutil e diferente em cada qual.

Carícias, aragens finas, beijo leve, um sopro ou uma brisa perfumada, suave música convidando aos sonhos, ninando felizes crianças embaladas na ternura. Evasiva canção, solidão muda, curtida, versos doloridos, pungentes. Alardeia lamentos, saudades, passado, entretendo pesares presentes, levando nas dores cantadas, como as águas correntes que buscam o mar, amainando o sofrer...

 Dedilhadas notas leves, sonhos doces em emoções, enlevos para Seres carentes, inspirações, sons, acordes na viola, brota nasce, uma canção. Trazendo suave, à flor da pele, trinados maviosos, sons harmoniosos, asas para sonhar... Um mundo inteiro, cheio de deleites, luzes interiores, tristezas, mágoas, desencantos e cicatrizes levadas das almas, feito roupas sujas lavadas e alvejadas. O sumo imundo, escorrendo, sumindo. O canto encantado em formosas notas, vibrantes, etéreas mensagens na atmosfera, nimbadas em clarões, aureoladas na paz...

 

 

 

 
 
Conto publicado no livro "A Noite das Garrafadas " - Janeiro de 2016