Romilton Batista de Oliveira
Itabuna / BA

 

 

Silêncio


                Levantou-se bem cedo antes mesmo do galo cantar. Parou, meditou e olhou ao seu redor. Sentiu que a sua vida estava estranha. O mundo não era mais seguro. O mundo já não era mais o mesmo! O rádio estava sem sintonia. A televisão desligada. O tempo parado. Algo suspenso no ar!
                Levantou de forma diferente. Levantou não para ir ao trabalho. Não era feriado nem final de semana. Era um desses dias cinzentos! Desses que aparecem sem sentido, perdido, sem direção! O silêncio ecoava nas paredes de seu quarto e avançava por toda a casa. Sentiu-se pela primeira vez que o mundo estava paralisado, imóvel!
                O barulho dos carros não se ouvia, não havia nenhum carro a caminhar naquele dia, nem nenhuma pessoa nas ruas a caminhar. Era dia, não era noite! E a noite veio e com ela todo o silêncio do dia! Nem mesmo se ouviu o zumbir de algum mosquito nem o mover de nenhum vento. A terra estava totalmente em transe!
                Sentou-se em sua velha poltrona, olhou para dentro de si como quem busca algo sem saber o que perdeu! A internet caiu, a televisão ficou sem sinal, o rádio sem transmissão nenhuma. Os móveis em total ausência!
                Pela primeira vez, o poeta sentiu o silêncio do silêncio. O encontro consigo mesmo num mundo inabitável, sem palavras, sons ou ruídos. Apenas acompanhado com o vazio, o áspero sentido do não-sentido. O fim-não-anunciado! A sentença dada por um juiz torturado!
                Ele correu depressa a fim de fazer barulho com o seu corpo, tentou mudar os móveis de lugar, e percebeu que não fazia nenhum barulho. Imaginou: “Estou sem audição!”. Mas logo percebeu que algo estava vivo em si: a sua voz: trêmula, distante de si, evasiva, perdida! Mas sobrevivente!
                De nada adiantou usar a sua voz porque não tinha ninguém para ouvi-lo nem mesmo ele próprio, pois sua identidade refugiada estava como uma espécie de não-ser-vivo! Pela primeira vez na vida, sentiu o poeta que algo diferente estava acontecendo consigo! Era o dia do silêncio. E neste dia nada se ouve, nada se diz, nada se conta. A voz, única potência da vida, também estava enclausurada, domada por um silêncio que a impedia de exercer sua função.
                Um nada invadiu o mundo naquele dia. O sentido abandonou as palavras e fugiram para as montanhas a gritar. A natureza estava também em silêncio. Nenhum pássaro a voar. Os morcegos também se silenciaram em seus cantos fixos. Nenhum fantasma resolveu sair naquela noite, nenhum avião a voar durante o dia. As árvores pareciam edifícios congelados!
                O tempo cronologicamente perdeu seu reinado. Chronos perdeu a batalha! Gritar, sim gritar! Pensou o poeta em sua confinada casa!
De repente, percebeu o pensador sem pensamentos que aquele dia era o Dia, aquela Noite estava a demorar de passar, como que nada existisse. Pensou o poeta “Estou ficando louco!". Se não posso pensar, se não posso falar, se não posso gritar, como vivo posso estar?! Imaginou por alguns instantes não-vividos que estava a sonhar! Mas não estava a sonhar porque sua consciência estava acordada, única parceira desse desastre acontecimento. Sua consciência sem tempo, desligada, sem sintonia com o sentido, dava-lhe vida. Respirou. Sim, respirou! Estava vivo! Voltou para o seu quarto e deitou, mas não conseguiu dormir! Nada lhe perturbara. Exatamente por falta do próprio sentido do nada que também o abandonou.
Conseguiu fechar finalmente os seus olhos. E ao abri-los lentamente veio-lhe a razão primitiva, aquela primeira razão dada a Adão e Eva, no Paraíso. Olhou e viu Deus em todo aquele total silêncio de mundo, de vida, de sentido, de pensamento! Deus era o Silêncio que tanto o homem abandonou…

 


 




Conto publicado no "Naquela noite" - Contos selecionados
Edição Especial - Agosto de 2020

Visitei a Antologia on line da CBJE e estou recomendando a você.
Anote camarabrasileira.com.br/nn20-002.html e recomende aos amigos