Maria Ioneida Lima Braga
Capanema / PA

 

 

Memórias de um grande amor

       O verão trazia tardes lindas. O sol descambara por trás dos morros levando os últimos resquícios do dia e anunciando a noite que em nuvens cinzentas já sombreava as árvores no quintal. Um vento brando aqui acolá varria as folhas do cajueiro que ficava na frente da casa.

       Estava na hora do passeio para tomar uma fresca. Ele trouxe para ela um ramalhete de crisântemos amarelos, os talos muito bem cortados e amarrados com um laço de fita branca. Ela adorava crisântemos e o dia era especial. Eles já eram casados havia trinta e cinco anos e, nesse dia que comemoravam a data, como sempre, apenas os dois, serenos, completos, amorosamente plenos na rotina que ele não alterou, mesmo depois que ela caiu nas profundezas do esquecimento.

       Sentaram embaixo do cajueiro, num banco que ele adaptou especialmente como se fosse a pracinha dos velhos tempos. Naturalmente puxou a conversa, assim como fazia todos os dias.

       - Querida olha já caiu a noite. Estamos aqui naquele nosso banco. Ouve as páginas dos momentos. Prometo falar devagarzinho, tá? Sabe aquela nossa estrela preferida? Está nos olhando agora lá do céu, ainda tem o mesmo brilho, igual ao dos olhos teus, meu amor. Sei que esqueceste, mas sempre espero o teu repentino sorriso, entre a distância de tua ausência, quem sabe não é hoje que ele vem? Quando sorri você me traz outra vez, ainda que breve, a tua doce presença. As promessas de teu amor, a delicadeza de tuas palavras são gravadas no meu pensamento, ressoam nossa vida, os nossos momentos.

       Hoje está com cara daqueles aconchegos de inverno, que passávamos na casa de campo. Tenho sentido um reboliço mau no coração. Ando assim meio que culpando a Deus. Não estou me queixando, juro. Espero que me entenda. Mas, nunca imaginei que se apagariam as coisas boas da tua vivacidade, apagaram-se, todavia, nos estágios lentos e inexoráveis do teu esquecimento.

       A Dona Madalena da alameda cinco está fazendo café agora. É o mesmo cheiro do teu café fresquinho, no café das nossas manhãs. Sabe aquela nossa árvore no quintal, a pitangueira? Pois é, amanheceu hoje carregadinha de flores. Hum, e eu já te disse também, não? Quase não vou à praia, lembro muito dos nossos corações gravados na areia. E dia desses tomei coragem e comecei um arranjo novo naquela canção, que eu cantava ao violão para ti. Qualquer hora dessas vais ouvi-la novinha em folha. Estarei sempre aqui ao teu lado com o meu amor que sonhaste e o meu coração agradecido pelo muito que me amaste. Eu prometi trazer- te todos os nossos dias alimentados, não foi? Sabe querida, hoje é dia doze de junho de mil novecentos e noventa e cinco e o aniversário de nosso casamento, faz trinta e cinco anos que nos casamos, são precisamente, quatrocentos e vinte meses, décimo segundo milésimos, septingentésimo, septuagésimo quinto dias em que dissemos o nosso sim aos pés do altar. Lembro como se fosse hoje você entrando na igreja, estavas tão linda querida em teu vestido de noiva, os teus olhos brilhavam e o teu sorriso tão encantador quando sentiste o meu nervosismo. Eu estava louco de ansiedade para te receber como minha esposa, não via a hora de jurar que cuidaria de ti para sempre. Jurei, mas nunca gostei nem de falar da parte que se jura "até que a morte os separe" sinto um troço esquisito, um arrocho no peito. Sério mesmo, não pensava nisso. Mas, agora inevitavelmente, já há sete anos que morres lentamente, todos os dias minha querida, portanto, octogésimo quarto meses e segundo milésimo quingentésimo quinquagésimo quinto dias em que dedico minha vida a tua, meu tempo ao teu. Quero amar-te intensamente até o último minuto, por toda a eternidade. Olha, amor, eu te amo, e o meu coração sempre será só teu, não me és um fardo, viu? Vivo de alma aquecida ao cumprir a promessa que te fiz de que sempre serei a tua memória, estarei incansavelmente no teu silêncio, para te escutar meu amor, meu tudo, minha vida. Um dia conjugamos o verbo amar. Agora querida vamos entrar que já está esfriando.
- Ah, já te disse que hoje é o nosso aniversário de casamento? Trinta e cinco anos, sabe? - Repetiu isso - Mas, sinceramente não sabia por que o fizera. Ela estava cada dia mais distante. Ano que vem trago crisântemos vermelhos, tá? Sei o quanto gostas deles de todas as cores.

Dormiram abraçadinhos, ainda mais juntos.

Naquela noite ele dormiu profundamente. Ela silenciou eternamente.

 


 




Conto publicado no "Naquela noite" - Contos selecionados
Edição Especial - Novembro de 2020

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