Afonso Henriques de Lima Barreto (Rio de Janeiro, 13 de maio de 1881
— Rio de Janeiro, 1º de novembro de 1922), foi um dos mais
importantes escritores brasileiros. Era filho de um negro nascido escravo
e de uma filha de escrava. O seu pai, monarquista, foi tipógrafo,
ligado ao Visconde de Ouro Preto, padrinho do futuro escritor. A sua
mãe, educada com esmero, foi professora da 1ª à 4ª
séries, faleceu quando ele tinha apenas 6 anos.
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Lima Barreto, mulato num Brasil que mal acabara de abolir oficialmente
a escravatura, teve oportunidade de boa instrução escolar.
Após a morte da mãe, passou a frequentar a escola pública,
em seguida, passou a cursar o Liceu Popular Niteroiense, após
o seu padrinho concordar em custear sua educação. Em 1895,
transferiu-se para a única instituição pública
de ensino secundário da época, o conceituado Colégio
Pedro II, cujos estudantes eram oriundos basicamente da elite econômica,
e a seguir foi admitido no curso da Escola Politécnica, no Rio
de Janeiro. Porém, foi obrigado a abandoná-lo em 1904
para assumir o sustento dos irmãos, devido à loucura que
afligiu o seu pai. Tendo sido repetidamente reprovado por não
se interessar muito pelas matérias - passava as tardes na Biblioteca
Nacional. Data dessa época a sua entrada no Ministério
da Guerra como amanuense, por concurso. O cargo, somado às muitas
colaborações em diversos órgãos da imprensa
escrita, garantia-lhe algum sustento financeiro. Não obstante,
o escritor, que só veio a ser reconhecido fundamental para a
literatura brasileira após seu precoce falecimento, cada vez
mais deixava-se consumir pelo alcoolismo e por estados emocionais caracterizados
por crises de profunda depressão e morbidez.
Lima Barreto começou a sua colaboração na imprensa
desde estudante, em 1902, no A Quinzena Alegre, depois no Tagarela,
O Diabo, e na Revista da Época. Em jornais de maior circulação,
começou em 1905, escrevendo no Correio da Manhã uma série
de reportagens sobre a demolição do Morro do Castelo.
Daí em diante, colaborou em vários jornais e revistas,
Fon-Fon, Floreal, Gazeta da Tarde, Jornal do Commercio, Correio da Noite,
A Noite (onde publicou, em folhetim, Numa e a Ninfa), Careta, ABC, um
novo A Lanterna (vespertino), Brás Cubas (semanário),
Hoje, Revista Souza Cruz e O Mundo Literário.
Em 1911 editou com amigos a revista Floreal, que conseguiu sobreviver
apenas até a segunda edição, mas despertou a atenção
de alguns poucos críticos. 1909 foi o ano de sua estreia como
escritor de ficção, publicando, em Portugal, o romance
Recordações do Escrivão Isaías Caminha.
A narrativa de Lima Barreto nesse primeiro livro, pincelada com indisfarçáveis
traços autobiográficos, mostra uma contundente crítica
à sociedade brasileira, por ele considerada preconceituosa e
profundamente hipócrita, até mesmo os bastidores da imprensa
opinativa são alvo de sua narrativa mordaz, inspirados na redação
do Cartas da Tarde. Em 1911 começou a publicação,
em formato de folhetins no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, de
sua mais importante obra, Triste Fim de Policarpo Quaresma, que anos
mais tarde (1915) foi editado em brochura e considerado pela crítica
especializada como basilar no período do Pré-Modernismo.
Entre os leitores, as duas obras anteriormente citadas alcançaram
algum êxito, o que não impediu que o autor sofresse severas
críticas de outros escritores da época. Baseavam-se elas
no fato de Lima fugir, conscientemente, do padrão empolado de
escrever que à época vigorava. Chamavam-no "relaxado"
por não usar o português castiço e utilizar uma
linguagem mais coloquial, muito própria de quem militava na imprensa.
Incomodava também o fato de seus personagens não seguirem
o "molde" vigente, que impunha limites à criação
e exaltava determinadas características psicológicas.
Não à toa viu frustradas suas tentativas de ingressar
na Academia Brasileira de Letras. A respeito de seus impiedosos críticos
e inimigos, Lima acusava-os de fazerem da literatura não uma
arte e sim algo mecânico, uma espécie de "continuação
do exame de português jurídico".
Simpático ao anarquismo, passou a militar na imprensa socialista.
Sua vida foi atribulada pelo alcoolismo e por internações
psiquiátricas, ocorridas durante suas crises severas de depressão
- à época era um dos sintomas pertencentes ao diagnóstico
de "neurastenia", constante de sua ficha médica - vindo
a falecer aos 41 anos de idade.
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Lima Barreto encarna um dos maiores e inquietantes exemplos, não
só do desencontro entre arte e mercado, mas das iniquidades sociais
na história brasileira. Foi o crítico mais agudo da época
da República Velha no Brasil, rompendo com o nacionalismo ufanista
e pondo a nu a roupagem da República, que manteve os privilégios
de famílias aristocráticas e dos militares.
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Em sua obra, de temática social, privilegiou os pobres, os boêmios
e os arruinados. Foi severamente criticado pelos seus contemporâneos
parnasianos por seu estilo despojado, fluente e coloquial, estilo este
que acabou influenciando os escritores modernistas.
Lima Barreto queria que a sua literatura fosse militante. Sua literatura
tinha a finalidade de criticar o mundo circundante para despertar alternativas
renovadoras dos costumes e de práticas que, na sociedade, privilegiavam
pessoas e grupos. Para ele, o escritor tinha esta função
social.
Junto com Machado de Assis e João do Rio, Lima Barreto formou
a trinca dos melhores cronistas sociais do Rio, então capital
da República. Como os outros dois, ele também era mestiço
e sofreu discriminações. Mas ao contrário dos demais,
nunca foi aceito no ambiente intelectual de uma sociedade que ainda
guardava os traços de uma escravidão recém-abolida.
Além de denunciar a hipocrisia e os preconceitos do tempo em
que viveu, Lima Barreto criou um estilo novo de escrever, marcado por
um texto simples, de linguagem direta e coloquial, que influenciou os
modernistas que mudaram as artes e a literatura brasileira a partir
de 1922.
Pobre,
alcoólatra e depressivo, esteve internado três vezes no
hospício nacional. Morreu jovem, doente e abandonado, aos 41
anos, consumido pela tristeza e pelo anonimato. Deixou uma obra vasta:
dezessete volumes divididos em contos, romances, crônicas, sátira
política, crítica literária e memórias.
Seu trabalho é estudado no Brasil e no exterior; ganhou traduções
em mais de dez idiomas.
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Definida
pelo próprio Lima Barreto como "militante", sua produção
literária está quase inteiramente voltada para a investigação
das desigualdades sociais, da hipocrisia e da falsidade dos homens em
suas relações dentro dessa sociedade. Em muitas obras,
como no seu célebre romance Triste Fim de Policarpo Quaresma
e no conto O Homem que Sabia Javanês, o método escolhido
por Lima Barreto para tratar desses temas é o da ironia, do humor
e do sarcasmo. No romance, narra-se a história de Policarpo Quaresma,
homem de inteligência mediana, mas de nacionalismo e boa-fé
inabaláveis. Agindo de modo a valorizar e popularizar ideais
do que ele julga ser a verdadeira cultura brasileira, Quaresma obtém
da sociedade uma resposta sempre dura, sendo classificado como louco
(ora inofensivo, ora perigoso). Desse modo, como observa Osman Lins,
esse "é um romance sobre o desajuste entre o imaginário
e o real, entre a idealização e a verdade, entre a ideia
que o personagem-título faz do seu país e o que o seu
país é realmente". No decorrer da obra, o autor também
procura ridicularizar o apego da sociedade aos títulos, sobretudo
o de bacharel, bem como as instituições políticas
da época, sua burocracia e sua inoperância. Já em
O Homem que Sabia Javanês é apresentado o caso de uma pessoa
que, afirmando dominar o idioma javanês sem na realidade conhecê-lo,
consegue enganar boa parte da sociedade carioca da época e até
mesmo ascender na carreira política, acadêmica e diplomática
com base nessa mentira; a certa altura, o personagem declara: "Imagina
tu que eu até aí nada sabia de javanês, mas estava
empregado e iria representar o Brasil em um congresso de sábios",
trecho que representa uma crítica contundente à predominância
das aparências nos meios sociais e políticos do período
retratado.
Esses
mesmos temas, quase sempre de ordem social, apresentam abordagens distintas
em outras obras. No conto Nova Califórnia, por exemplo, a escrita
de Lima Barreto ganha certos contornos macabros ao narrar a história
dos habitantes de uma pequena cidade que, ao descobrirem que se poderia
fabricar ouro a partir de ossos humanos, esquecem todos os seus supostos
valores éticos e morais, de extrato cristão, e cometem
profanações e assassinatos em função da
possibilidade de riqueza e ascensão social.
Lima Barreto
declara diversas vezes não aprovar nenhum tipo de preciosismo
na escrita literária. Critica seu contemporâneo Coelho
Neto afirmando que "não posso compreender que a literatura
consista no culto ao dicionário" e declarando que a beleza
literária "não é um caráter extrínseco
da obra, mas intrínseco, perante o qual aquele pouco vale. É
a substância da obra, não são suas aparências"
- declarações, sobretudo esta última, que indicam
como eram indissociáveis a estética buscada e a ética
preconizada pelo autor, que procura despir tanto a literatura quanto
a sociedade de suas falsas aparências. Dessa postura, cria-se
uma literatura marcada pelo coloquialismo, por um vocabulário
pouco rebuscado e pela expressão direta - o que não significa
desleixo ou pouca preocupação formal, mas a adequação
do modo de expressão àquilo que se deseja demonstrar.
Essa crueza
estilística, no caso de um romance de teor autobiográfico
como Recordações do Escrivão Isaías Caminha,
é a ideal para a representação dos percalços
e dos preconceitos de ordem social e racial enfrentados por seu personagem
em busca de ascensão na profissão de jornalista. O mesmo
acontece em O Cemitério dos Vivos, dura descrição
da loucura e da internação em um hospício. É
sobretudo nessa força e nessa tentativa de construir uma obra
cujos preceitos estéticos são tão pouco disseminados
na literatura brasileira, ainda afeita aos ideais de Beleza do parnasianismo,
que reside a singularidade da arte de Lima Barreto.
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“As glórias das letras só as tem, quem a elas
se dá inteiramente;
nelas, como no amor, só é amado quem se esquece de si
inteiramente
e se entrega com fé cega.”
(Os bruzundangas)
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