Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ

 

 

 

Fake news

 

      Quando criança eu gostava de sair em grupo pequeno, procurar e tocar campainhas nos portões. Um tocava e todos se escondiam, uma pessoa vinha atender e não via ninguém na rua e turma ria e seguia para outra casa.  Íamos sempre aos mesmos lugares, na mesma hora. Pertencíamos a boas famílias, estudávamos e tínhamos educação religiosa. Os pais eram rígidos e exigentes com os filhos. Para nós não era desrespeito era uma brincadeira, uma diversão. Num certo dia, um dos proprietários resolveu ficar de tocaia, foi para esquina, postou-se no melhor ângulo, com uma máquina fotográfica. Esperou, esperou. De repente ele  viu uma criançada, uns oito, metade de cada lado da rua. Nós andávamos separados e de olhos bem abertos para não sermos surpreendidos por um morador.  
      O tempo transcorria tranquilo, até que, o carteiro passou em cada casa deixou um envelope com três fotos e uma carta anônima explicando o porquê das fotografias. O corretivo foi sério, ficamos um mês sem sair de casa e sem receber qualquer amigo. No colégio a carta foi mostrada para a diretora que também estendeu o castigo. Passamos o mês todo fazendo cópia na hora do recreio e sem merenda. 
      Entendemos que respeito se aprende e que o outro tem as mesmas necessidades e sentimentos que nós. 
      Tem atitudes que são incorrigíveis porque ninguém as corrige ou porque só uma grande investigação pode descobri-las. Quanto maiores são os recursos mais engendrado é o desrespeito.  
    Meu pai foi transferido para trabalhar na capital. Eu já era adolescente. Fomos morar na periferia da cidade numa vila com mais ou menos duzentas casas que foram construídas em terreno plano, ruas com calçamento, iluminação elétrica, rede de água e esgoto. Um lugar muito quente, mas agradável.  
      Ali todos sabiam da vida de todos.  Telefones eram raríssimos, não havia computador e nem celular. A comunicação era compartilhada de boca a boca. As redes sociais aconteciam pela manhã e depois do almoço, por cima dos muros. E à tarde nos portões ou cadeiras nas calçadas. Toda a inveja, todo orgulho, toda raiva, qualquer desafeto, todo ciúme, tudo era rasgado, triturado, queimado, jogado no ar como bolhas explosivas.  
      Hoje chamamos “Fake News”,  na época era “fofoca e intriga”. É fácil acabar com a reputação de uma pessoa ou até mesmo de uma família.  
      Nos horários combinados todas as mulheres se postavam nos muros.  Corriam para o lado direito, depois para o lado esquerdo e finalmente para o muro dos fundos. Assim recebiam e passavam notícias,  em menos de uma hora a comunicação via boca já tinha corrido a vila. Claro, às vezes aumentada e com muita malícia. 
      Lúcia se viu abandonada pelo marido porque foi vista entrando no carro de um estranho, quando chegou aos ouvidos do marido ela tinha sido vista beijando um cara dentro do carro e o carro estacionado balançava muito. Num caso destes não adiantava explicar e se defender. Muitos se mudavam, famílias eram desfeitas, mulheres apanhavam de outras mulheres ou dos maridos, moças eram expulsas de casa, namoros acabados, crianças levavam surras, até crimes de morte já tinha acontecido.  A sessão castigo era replicada rapidamente. E as expressões de: “bem feito, coitadinha dela, pobrezinho do cara, aqui se faz aqui se paga, vamos ver se vai aprender à lição, falsa puritana, a sem vergonha passou ali agora, vai me pagar e é hoje”.  
       Independente da veracidade dos fatos, o objetivo de moldar ou distorcer a opinião da comunidade ganha uma dimensão com consequências perigosas. 
       Quem eram os culpados, quem divulgou notícia falsa, quem aumentou a história para apimentar a redação? Quem? Quem? Não importa, são e serão sempre pessoas anônimas com a  intenção de disparar dados como pedras ao léo. Espalhados como vírus geram medo e angústia nas vítimas. 
       Mas ficar “de mal” com alguém significava ficar sem saber das novidades e sair das redes sociais. Então, tinha briga e reboliços.    Depois de algum tempo tudo voltava ao normal como arco-íris depois da tempestade. 
       Existia também a parte de colaboração, de ajuda mútua nas doenças, nos nascimentos, nos convites para as festinhas, nos casamentos, nos funerais, nas missas e nas orações.  
      O caso de uma das vizinhas foi muito triste.  Dona Gertrudes uma pessoa boníssima, estava sempre ajudando a todos e era uma das componentes da rede social de muita confiança. Um dia correu o boato que ela tinha comprado um bilhete de loteria e ganhou o prêmio.  Ela acordou pela manhã com um barulho estranho, levantou e foi olhar no portão.  Uma fila na porta pedindo para ela ajudar. 
       Coitada da Gertrudes, ficou muito tempo sem ninguém falar com ela, chamada de amiga falsa, metida a importante depois que ficou podre de rica. Não saía mais, ninguém vinha no muro dela. Teve que se mudar e ir morar com um filho no nordeste. Assim que ela chegou à casa do filho a nora perguntou: onde foi que a senhora guardou o dinheiro?  Algum tempo depois ela morreu do vírus calúnia. 
      As intrigas de boca a boca ou as fake news  via satélite são inerentes ao ser humano desde sempre. Cospe na rodinha no chão quem nunca foi protagonista ou divulgou fatos sem comprovação.  

 

 

 

 


 




Conto publicado no "Livro de Ouro do Conto Brasileiro"
Edição Especial - Outubro de 2020

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