Helio Sena
Massapê / CE

 

 

 

A letra X tem meu nome...

(Inspirado na famosa Ilha das Bonecas, no México)

 

– Boa noite... Mas esqueça a “Senhorita Xochimilco”. Pode me chamar de você; e de Ellebanna mesmo, prefiro assim.
– Está bem. É um prazer ter você hoje aqui conosco, Ellebanna. Obrigado por ter aceitado o convite.
– O prazer é todo meu.
– Vamos começar do início, como se diz. De onde você é, Ellebanna?
– Sou de Xochimilco, no México, daí o meu nome. Mais precisamente, sou da Ilha, um lugarzinho bastante conhecido.
La Isla de las Muñecas?
– Exatamente.
– Me fale um pouco sobre essa Ilha.
– Não há o muito o que acrescentar. Todos já conhecem a história.
– Então tudo o que dizem é verdadeiro?
– Ora, mas que pergunta! E sobre você, tudo o que falam é verdadeiro?
– Mais ou menos... No caso da Ilha, creio que toda lenda conserva um pouco de invencionice, de exagero, não é assim?
– O exagero vem unicamente das pessoas.
– Legal... Agora me fale de você!
– O que quer saber?
- Que idade você tem?
– Quê?! Nunca lhe disseram que a uma dama não se faz esse tipo de pergunta?
– Já, sim. Desculpe. Mas... poderia responder?
– Respondo. Tenho a mesma idade do meu pai.
– Seu pai?
– Sim. Meu pai, Don Julián.
– Ah, o homem que começou tudo...
– Não. Meu pai, apenas.
– Sim, claro.... Agora, o que todos querem saber: por que odiava tanto as outras, suas próprias irmãs?
– Não eram minhas irmãs! Eram impostoras, e dei a elas o destino que mereciam. Eu vivia em paz com meu pai, na Ilha. Éramos felizes, só ele e eu!
– E o destino que deu a elas foi...?
– Eu as matei, uma por uma, à medida que chegavam. Arranquei fora os braços e as pernas, furei os olhos, decapitei. Depois as pendurava nas árvores.
– Nas árvores?
– Sim, para afugentar novas impostoras.
Funcionou?
– Você sabe que não. Por isso abandonei a Ilha, há trinta anos, depois que meu pai morreu.
– De que foi mesmo que Don Julián morreu?
– Causas naturais.
– Trinta anos! E nunca mais voltou à Ilha?
– Nunca.
– O mais curioso, Ellebanna, é que o lugar se transformou em um dos roteiros turísticos mais visitados do México...
– Sim, é verdade.
– Isso, claro, devido ao fato de o número de “impostoras” penduradas nas árvores só ter aumentado com o tempo... Faz ideia de quem esteja por trás disso, agora, e por quê?
– que meu pai e eu... fazíamos. Mas não faço ideia de quem seja.
– Eu ouvi bem? Disse que seu pai também tomava parte no “trabalho”? Mas você sempre negou que Don Julián tivesse alguma coisa a ver com...
– Na verdade, era ele quem pendurava as intrusas nas árvores...
– Adorei esta revelação, Ellebanna! Escute, é verdade que Don Julián foi viver sozinho na Ilha depois que uma namorada o deixou por outro?
– Não sei. Meu pai era um homem de pouquíssimas palavras.
– Hum... E sobre ele ter encontrado você dentro de um rio, certo dia, lá na Ilha... Isso tem fundamento?
– Sim, e eu estava chorando, agarrada à minha mãe, que estava morta.
– Aquela pobre muchacha... Tão jovenzinha!
– Sim. Catorze anos.
– Como vocês duas foram parar na Ilha? Quem era ela, essa garota? O que foi feito com o corpo? Ela se afogou, ou alguém a matou?
– Perguntas demais. Escolha uma.
– Você a matou?
– Claro que não! Acha mesmo que mataria minha própria mãe?
– Bom, não seria o primeiro caso...
– Por favor, pare, não quero mais falar sobre isso! Por favor...!
– Está bem... A entrevista está acabando. Só mais algumas perguntinhas, pode ser?
– Seja breve. Estou realmente cansada.
– Entendo... Você falou que deixou a Ilha há trinta anos, certo?
– Foi.
– E onde você vive, desde então?
– Por aí. Um dia num lugar, outro dia noutro. Assim.
– E quanto ao Brasil? Está gostando dessa temporada em nosso país?
– Sim, e muito.
– Pretende ficar até quando?
– Seis meses, um ano. Depende.
– Do quê?
– Enquanto estiver gostando, eu fico.
– O que mais lhe agrada por aqui, Ellebanna?  E como aprendeu nosso idioma, com tamanha perfeição?
– Falo qualquer idioma, até grego. O que mais me agrada por aqui? Várias coisas. A miséria, a violência, a corrupção dos políticos, o BBB. Brincadeirinha, viu? Deixe-me ver... Ah, estou começando a conhecer uns escritores talentosos, melhores até que o Stephen King!
– Pode citar um?
– Nelson Rodrigues. Já morreu, não foi? Estou lendo as peças dele.
– Eu já li todas. A minha favorita, com certeza, é O Beijo no Asfalto. Qual você está lendo, no momento?
Bonitinha, mas Ordinária. Quando comecei a ler, jurava que fosse sobre a vida da Barbie!
– Sobre a vida da Barbie? Muito boa a sua piada, Ellebanna. Muito boa mesmo!
– É. E então, acabou a entrevista? Posso ir agora?
– Acabou. Muito obrigado. Como de praxe, gostaria que você deixasse uma mensagem para os nossos milhares de telespectadores!
– Pois não. Quero que todos eles vão tomar naquele lugar!
– Que é isso?! Estamos ao vivo... Somos um programa conceituado, Ellebanna!
– Ellebanna? Tem graça, a porra desse nome. Lê ao contrário, seu energúmeno!
– O quê?
– Sou ANNABELLE, imbecil! ANNABELLE, a filha da Ilha! ANNABELLE, a boneca amaldiçoada!
– Gente, é mesmo... Ai, Jesus! O que vai ser de nós, agora?!
– Não sabe, não, é? Então te dou cinco segundos pra tentar adivinhar! Um, dois, três...
 

 

 


 




Conto publicado no "Livro de Ouro do Conto Brasileiro"
Edição Especial - Outubro de 2020

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