Marina Moreno Leite Gentile
São Paulo / SP

 

 

 

Assustou e depois encantou

 



Um senhor mineiro, bem simples, realizara mais um sonho.   Adquiriu um terreno  em um vilarejo sossegado, para construir um lar. A exuberância da natureza  ao redor encantava. Ali  tinha pouca infraestrutura, mas pelo menos havia o básico, ou seja, a padaria, o mercadinho e a igreja onde ele e a esposa congregavam. Era na verdade um vilarejo dormitório. De manhã os transportes coletivos saíam lotados de operários, os quais retornavam a seus lares só ao anoitecer. Os  ônibus circulavam de hora em hora.  Durante o dia ficavam no vilarejo somente os aposentados, as donas de casa com suas crianças e os eventuais desempregados.  Animais circulavam tranquilamente pelas ruas de terra, incluindo cavalos, bois, carneiros, cabritos, suínos. 

O terreno do Resende era de tamanho médio, daria para uma casa bem confortável. Inicialmente a renda do casal deu para construir apenas dois cômodos e um banheiro. Planejavam ampliar, aos poucos.  Havia muitos sonhos, muitas coisas a fazer, as quais demanda não só dinheiro mas também tempo.  Os dois felizmente tinham seu emprego. Quando estavam em casa,  sempre havia algo para fazer na propriedade.    

Um dia uma das amigas da família Leite e irmã da igreja (Sra. Maria da Paz) levou uma muda de bananeira para eles. E esta se desenvolveu muito bem  naquela terra;  cresceu, frutificou, embelezou o terreno.  Como eles gostavam de abóbora, certo dia enterraram umas sementes;  brotou uma quantidade enorme.  Além de presentear amigos e familiares, tiveram que comer abóbora de tudo quanto era jeito, inclusive doce. Ali plantaram diversas espécies de árvores frutíferas. O quintal ficou belíssimo, atraindo não só olhares de admiração de vizinhos, como também a visita de passarinhos.   

Certo dia da semana, como sempre, o Resende saiu bem cedo para trabalhar.  A esposa sairia mais tarde, após alguns afazeres, incluindo a limpeza da calçada externa.  No momento que ela abriu o portão, percebeu a entrada de um visitante e ficou bem assustada com ele. O visitante era bem jovem. De noite, quando Resende retornou do trabalho, a esposa comentou o ocorrido e até brincaram com a situação. Mas como consideraram que ali era  inapropriado, decidiram levá-lo a outro lugar,  aproximadamente uns 50 metros de distância.  Voltaram aliviados para casa. 

Passados uns dias, novamente na rotina de limpar a calçada, ao abrir o portão houve uma nova surpresa. Aquele visitante havia retornado, estava posicionado como se aguardasse alguém abrir o portão,  para ele adentrar. Dessa vez ela não ficou assustada, muito ao contrário. Sentiu que  ele não estaria ali por um acaso. Agora ela tinha certeza que o jovem teria escolhido aquele espaço como seu abrigo, seu lar.  Quem seria ela para contestar? Rapidamente ele adentrou, como se entendesse os pensamentos dela.  Em poucos instantes já estava acomodado.    

Além do Resende e Regina, ali morava uma cadela de nome Branquinha, resgatada da rua, pois fora abandonada. Branquinha demonstrou  aprovar o visitante.  No início o casal permitiu que ele ficasse no jardim. Algum tempo depois  o  colocaram  próximo as bananeiras pois era mais fresco e  seguro.   

Ninguém pode ficar sem nome, então carinhosamente passaram a chamá-lo de Tião. Este apelido era também do  clã da família Leite, um senhorzinho idoso. Até ele brincava com o inusitado morador, mas  apesar de toda simpatia que nutria pelo jovenzinho,  nunca soube que o apelido de ambos era o mesmo.     

Norma Leite, uma das frequentes visitantes daquele lar, passou a simpatizar com ele também. Quando  adentrava  e não o via, já ia perguntando:
- Onde está o Tião? Será que ele sumiu?
Com toda a calma de sempre,  Resende respondia:
- Claro que não, fique tranquila.  Daqui a pouco ele aparece.  Deve estar em algum canto.

A preocupação fazia sentido,  pois o Tião era um saltador. Já que escolheu viver ali, merecia todo cuidado e atenção. Na verdade todos ficavam tranquilos e felizes quando ele permanecia visível. 

Após alguns meses  o casal adotou  o  Rex,  um  outro  cachorro  abandonado. Ou seja, agora o casal tinha três hóspedes. Os três se tornaram quase inseparáveis, compartilhando espaços e até o pote de água de beber. Era lindo observar aquela união. Os dois cães tomavam banho de esguicho, mas o Tião tinha mais privilégio,  pois uma piscininha particular era disponibilizada só para ele, nos dias mais quentes, para se refrescar. Depois do banho, Regina esvaziava a piscininha, em decorrência do perigo da dengue. Até na hora do sol matinal, os três ficavam juntinhos.     
   
Alguns anos se passaram  e um dia o Tião chegou ao limite de sua existência. Após uma tempestade o encontraram ferido. Algo teria caído do telhado, machucando ele. Todos ficaram desolados, sem saber o que fazer, diante da gravidade da situação.  Lamentavelmente ele não resistiu. 

É difícil descrever a desolação que se instalou naquele quintal, sem o Tião. Durante dezoito anos a convivência foi de harmonia e amor. Quanto aos cães, ficaram sem entender, perambulavam ansiosos  e aleatoriamente pelo terreno, cheirando, olhando para os cantos... 

Esta é a inesquecível  história de um sapinho, que ainda bem jovem, escolheu um lar para viver. Assustou, depois encantou e no final deixou saudade.  Muita saudade.    

O tempo passa e as lindas lembranças ficam. Agora o sapinho Tião está morando embaixo de uma palmeira imperial, pertinho do antigo brejo, lá no antigo vilarejo  “Branca Flor – Itapecerica da Serra – São Paulo”.  


 

 


 




Conto publicado no "Livro de Ouro do Conto Brasileiro"
Edição Especial - Outubro de 2020

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