Maria de Belém de Oliveira Maués
Manaus / AM

 

 

 

O tamanho da fé




        

        Era março, mês preguiçoso, sombrio; as chuvas características do mês contribuíam para um cenário que fazia da pequena cidade do interior do sertão chamada Da Paz um recanto de calmaria. Tudo era normal: as pessoas sofriam, oravam, dormiam, sorriam; pouco, mas também comiam.
        Certo dia, um vendedor ambulante conhecido na região, espalhou o boato de que um inimigo se aproximava; que todos tivessem cuidado, que precisavam dobrar os joelhos, para não serem atacados. Dizia ele que era um inimigo invisível e que prometia a todos matar. 
        Dona Zezinha, religiosa muito conhecida na cidade, logo cuidou de avisar as amigas, as mulheres da igreja e ao padre, pedindo a este que anunciasse na missa a catástrofe. Mas, amigo invisível! Como assim? Ninguém sabia de onde vinha, como era, o que fazia, mas sabia que vinha. Todos, em vigília, esperavam a chegada do tal inimigo. Mas como saber se ele chegou se não pode ser visto? Até que um dia, um malfadado dia, o inimigo jogou ao chão justamente àquele que o anunciou e apavorou a cidade: Genésio, como era seu nome, adoeceu gravemente e morreu. A cidade entrou em pânico, afinal, ele era conhecido na cidade inteira. A partir daí o pânico tomou conta do espírito daqueles que, até então, apesar de muitas dificuldades, viviam em harmonia com a paz. Pessoas espalhavam informações desencontradas que apavoravam ainda mais. Muitos disseram  ver o tal inimigo e descreviam-no como uma sombra negra, que aumentava à medida que via a luz. Diziam que ele, no seu tamanho normal, se assemelhava a uma abelha, mas que, em ação, crescia mil vezes mais o seu tamanho normal. E a cada dia, pessoas eram abatidas por esse tal inimigo. A cada evento, novos ensinamentos, novas orientações, novas feridas no coração. A cidade parou. Os médicos do local, em número tão pequeno, não sabiam o que fazer para conter a ação do maldito invisível. 
        O prefeito da cidade anunciou calamidade pública; gritou aos quatro cantos do país clamando socorro, mas ninguém ouvia, pois a cidade Da Paz era longe demais, além de que nem no mapa aparecia. Mas lá todos sabiam que estavam enfrentando um dito inimigo que não tirava a máscara, não mostrava a arma, mas ceifava vidas. A igreja, única naquele lugar, providenciava todo o necessário, para impedir novas mortes: máscaras, luvas, toucas, meias, capas e muito leite, afinal, não se sabiam de onde ele vinha, como vinha e nem por onde entrava. O que se sabia é que muitas vidas se foram. 
        A cidadezinha Da Paz, impotente, se vestiu de tristeza: Quantos filhos perdeu? Quantos mais perderá? Dúvida cruel! O tempo correndo e a praga acompanhando a corrida. Os apertos de mão tão comuns e prazerosos nos atos solidários da população daquela pacata cidade, de apenas cinco mil habitantes, foram substituídos pelo medo; os braços agora se cruzavam impedindo os abraços. Dor, sofrimento, medo, impedimentos. 
        Existia na cidade um rapaz chamado Zezinho, moço cheio de fé, que era sacristão, afilhado de dona Zezinha, coordenadora das ações religiosas da cidade.  Diziam até que ele conversava com Deus. Num certo dia, eis que de repente, ele convidou a população para uma reunião geral, obedecendo, claro, as orientações médicas e administrativas da cidade, onde tratariam sobre a realidade que estavam vivendo. Começou Zezinho dizendo: “Meu povo, precisamos agir. Vamos plantar na porta da cidade algo que assuste e expulse de uma vez daqui este inimigo! Ele não pode ser mais forte que nós.” E aí começou a confusão: uns achavam que o que assustaria o inimigo eram soldados armados; outros uma grande imagem de um medonho bicho;  outros ainda que deveria ser construído um muro bem alto que dificultasse  a entrada do maldito. 
        Sentada em uma cadeira no salão, na primeira fila, estava Mariazinha, filha da lavadeira dos padres, que gritou: “Vamos colocar na entrada da cidade uma Cruz grande, do tamanho de Deus”! O inimigo vai recuar. Todos ficaram atônitos, pensativos, emocionados até e concordaram com a ideia de Mariazinha. 
        No outro dia, os homens da cidade começaram a construir a cruz, só não conseguiram fazer do tamanho de Deus, pelo simples fato de o tamanho da fé ser diferenciado para  cada um. O certo é que  a entrada da cidade passou a ser um espaço de vigílias, de orações e, todos os dias era ocupado por soldados da fé  que acreditavam nas suas armas poderosas: a oração. 
        Certo ou errado, o número de vítimas na cidade decaiu. Os braços começaram a se descruzar para o abraço; a esperança começou a se manifestar para se aliar às orações que nutria a fé daqueles pacatos cidadãos. 
        Depois de meses de dores e aflições, numa certa manhã, bem cedinho, Zezinho foi orar aos pés da cruz e se assustou ao ver um inseto de tamanho anormal, parecido mesmo com uma abelha, preso nas amarras da cruz, “vivinho da silva”. Zezinho saiu gritando, acordando a cidade, anunciando o que vira e mobilizando a população para constatar o acontecido. 
        Uma multidão saiu em direção à cruz: uns de pijamas, outras com camisolas, alguns só de cueca e até outros nus. Queriam matar o inseto que tanto mal causou à população. Porém, ao ver tanta gente em sua direção, o bicho, que os médicos batizaram de vírus, bateu asas e voou, na frente de todos, como a pedir desculpas a tudo que causou, prometendo que nunca mais voltaria. 
        Assim foi que a cidade se acalmou e refletiu sobre o que experimentou. Concluíram os habitantes que não há força que vença a fé, o amor e a solidariedade. Agora, a cidade Da Paz harmonizou-se novamente com a esperança e a vida fluiu sem alguns, mas com outros salvos pela fé esperança. 

 

 

 





Conto publicado no "Livro de Ouro do Conto Brasileiro"
Edição Especial - Outubro de 2020

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