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José Luiz da Luz
Ponta Grossa / PR

 

Sintomas de amor

 

 

Aconteceu após um exaustivo dia de intensas atividades, enfim, chegada a hora do repouso eu me deparei com uma sensação misteriosa no peito, algo que nada tinha a ver com cansaço: era como uma fome de ternura, uma febre solitária, um sonhar acordado, um voar sem asas... Aquelas sensações passaram a fazer parte da minha vida onde quer que eu estivesse. Passei muito tempo em tentativas inúteis de identificar o que me acometia nos livros de medicina e saúde, porém por mais absurdo que possa parecer, restou-me procurar nos livros de poesias. Neles encontrei tudo o que eu sentia, descobri que estava com sintomas de amor.
Amor seria somente mais uma palavra. Uma palavra como outra qualquer pobremente definida nos dicionários, mas na vida vai além de simples substantivo masculino. O amor dá sentido à vida como verbo, dá ternura aos apaixonados como adjetivo, dá ânimo ao espírito como hálito divino, dá arrepios ao coração como magia... É o amor que faz uma mãe delirar de felicidade, mesmo diante de uma das dores mais terríveis na hora de mostrar a luz do mundo ao filho do seu ventre. É o amor que fez a agonia do Calvário ser um bálsamo para as nações. É o amor que corre nas veias dos poetas e dá sentido às poesias. O amor poderia ser uma poesia que não caberia em todos os livros do mundo, porque sua abrangência transcende ao infinito.              
O amor dos dicionários passa despercebido, em silêncio, em calmaria, ao ponto de não chamar a atenção ao lado de outras palavras: amor está perto de amparar, ampliar, amplitude...
Aquela noite foi diferente de todas as outras, porque eu estava com sintomas de amor. Os sintomas do amor doíam "ou sua falta." Houve tempo em que era mais fácil amar, o tempo de criança, onde não são criados obstáculos nem condições. Criança é quase como um anjinho cheio de pureza, o perdão e a reconciliação é a regra básica. A criança ama o amiguinho branco, negro, pardo... porque o coração de uma criança não tem cor... simplesmente ama...
Quando crescemos temos a mania de criar condições, regras, situações, obstáculos, por isso o amor verdadeiro entra em crise. Hoje em dia o amor é tratado de forma diversa até nas artes: há o amor quase inatingível de Cecília Meireles... Há o amor apaixonado e inocente de Álvarez de Azevedo... Há o amor paternal de Castro Alves... Há o amor divino de Madre Tereza de Calcutá... Quem melhor descreveu o amor? Quem viveu o amor em sua plenitude? A gente fica, então, afirmando que todos descreveram e viveram bem, porque o amor é tudo isso acrescido de tantos outros mistérios.
Aquela noite foi diferente das outras, descobri que sou um construtor de altares. Amar é construir altares à beira de um deserto. Eu os construo com beleza, na esperança do deserto se transformar em terra fértil. Mas o que me faltava para que o amor acontecesse? O que eu estava esperando tanto?          
Na vida o amor é esperado de várias formas: há os que esperam que chegue fácil assim como chegam os panfletos de publicidade, mas sem dar atenção logo se joga fora.
Outros esperam como um insuportável desejo de um alimento delicioso, mas que depois de saciado o paladar logo se esquece do sabor. Há ainda os carentes e tímidos que sofrem por considerá-lo quase inatingível... Embora para tudo isso haja algum sentido, a criação de condições, regras, situações e obstáculos transformam o que era para ser natural em sofrimentos.  Entretanto eu esperava que o amor se personificasse, depois de certo tempo entendi que na medida em que minhas restrições fossem abandonadas, mais e mais o amor aconteceria. O que eu esperava? O certo é pensar que eu esperava o inesperado, a surpresa, porque o amor nasce das circunstâncias fora do nosso controle.
Poderia sim, ser apenas uma palavra perdida nas páginas de um dicionário, se na verdade não fosse tudo, não estivesse em tudo, não formasse tudo. O amor é a essência de Deus, a matéria prima do universo. O amor não teria significado algum se não fosse eu, se não fosse você, se não fosse o universo, se não fosse Deus.
A gente quando se apaixona se sente num sonho, a tal ponto de esquecer o resto do mundo. Não tem validade toda nossa razão quando o coração ama, pois o amor tem sua própria razão.
O amor é uma luz cuja origem vem de Deus. O amor, desde a atração misteriosa que impele o átomo para átomo, até a atração das imensas galáxias, desde o impulso harmônico que leva o homem para a mulher amada, mesmo diante de tantas restrições, o amor é a grande forma de todo ente criado, agindo de nodo imortal.
Agora que desvendei um pouco o véu do amor, posso afirmar que amor absolutamente nunca foi uma palavra qualquer. Amor é tudo!
Aquela noite foi diferente de todas as outras, porque eu estava com sintomas de amor.  

 
 
Conto publicado no "Livro de Ouro do Conto Brasileiro" - Junho de 2016