Rejane Arrais Braga
Goiânia / GO





Bolén

 

Este bolo me remete a uma das minhas melhores memórias afetivas.
Refazer este bolo mil vezes, pra mim é mágico. Sei a receita de cor e salteado, mas olhar o livro de receitas, com páginas endurecidas e amareladas, me permite um ritual de amor.
A receita é da minha mãe.
Lembro bem que antes da batedeira Walita vermelha chegar, tínhamos que segurar a bacia pra que ela batesse as gemas com açúcar, manteiga e afeto, até virar um creme. Que preguiça eu tinha daquilo. Vez por outra a colher de pau, habilmente usada, esbarrava no meu dedo gordinho que escorregava pra dentro da bacia... Dava uma dorzinha e eu rapidamente voltava o dedo pro
lado de fora, tentando não fazer a bacia girar. Neste momento sempre tinha uma lambidinha... O ritual prosseguia e eu pequenina, esperava a "raspa do bolo”. Aquele restinho de amor e massa que ficava no fundo da vasilha. Meu irmão sempre ganhava mais... E eu implicava...
Logo aquele cheiro, o mesmo que senti hoje, invadia a casa e o momento do lanche era esperado com gulodice e aquela fome imensa que mora na barriga das crianças.
Vinha a amiga com seus filhos e marido.. Os homens ficavam no quintal, agachados e observando os passarinhos nas gaiolas caprichosamente feitas pelo meu pai. Falavam de futebol e outras coisas desinteressantes para crianças... As mulheres falavam das labutas e vez por outra eu as ouvia reclamar dos maridos... E o lanche seguia animado e saboroso...
Tardes de um sábado como este...
O cheiro, a textura, o sabor e a cor deste bolo me trazem o melhor da minha vida: o amor da minha mãe.


  




Conto publicado no "Livro de Ouro Contos "- Edição 2021 - Outubro de 2021

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